Todos o conhecem por Andrei, mas em Portugal o seu nome é Andrii, refugiado ucraniano, um subterfúgio que usou para acelerar a sua legalização, um desafio complexo para muitos russos, marcados pela má imagem do seu país.
“Sou russo, penso em russo, falo russo. Tenho os dois passaportes e optei pelo que me favorecia mais”, diz à Lusa o imigrante, que conseguiu o estatuto de refugiado após a invasão da Ucrânia pela Rússia, uma guerra da qual quis fugir.
Filho de família com origens na Bielorrússia e na Arménia, nascido em Donetsk (cidade ucraniana invadida por Putin em 2014) de onde saiu para Sochi nos anos 1990, Andrii é um exemplo das dificuldades que muitos russos enfrentam em países europeus, seja na legalização ou em ações de apoio a familiares.
“Não só há problemas em efetuar transações, como também pode levar ao encerramento de uma conta bancária. Nos primeiros meses desta guerra suspendi todas as relações financeiras com a Rússia para não apoiar a guerra com os meus impostos, mas, por vezes, os familiares podem ter problemas, especialmente com medicamentos, que estão a faltar na Rússia, e é triste não podermos ajudar”, desabafa Timofey Bugaevsky, dirigente da associação Russos Livres em Portugal, a principal estrutura de imigrantes em Portugal assumidamente anti-Putin, que já organizou ações de solidariedade para com o povo ucraniano.
Enquanto os russos que recebem reformas de Portugal ou de outros países europeus deixaram de poder receber esse dinheiro na Rússia, os mais ricos acabam por não sofrer tanto e há sempre soluções para transferir dinheiro através de algum paraíso fiscal ou utilizando criptomoedas.
“Para todas as sanções, existem contra-sanções que o governo russo implementa”, diz Timofey.
A impossibilidade de circular com carros de matrícula russa na Europa é particularmente sentida no leste do continente e afeta as famílias de emigrantes, alerta Timofey, que preferia mais esforço em “garantir que os microchips para mísseis, componentes de drones, pólvora e outros não possam entrar na Rússia, o que é feito indiretamente através de vários países”.
Sobre o processo de regularização dos imigrantes em Portugal, Timofey Bugaevsky nega que os russos sejam prejudicados por causa da guerra, apontando o dedo à “elevada carga que os serviços de imigração estão a ter atualmente”.
Apesar disso, o dirigente associativo acredita que os russos em Portugal que são anti-Putin – “e são muitos” – preferem “trabalhar legalmente e pagar impostos em vez de receber ajuda como refugiados, mas muitas vezes as pessoas fogem da repressão do regime para salvar vidas ou evitar a detenção”.
Depois, “também há vários casos em que as pessoas não conseguem obter autorizações de residência ou encontrar um emprego antes de ficarem sem poupanças e decidem regressar” a um regime que os pode perseguir.
Em muitos casos, as “pessoas que fogem do regime têm falta de tempo e vão para países que não exigem vistos”, como o Cazaquistão ou Bielorrússia, locais “perigosos porque têm boas relações com o governo russo, pelo que os ativistas podem ser presos e deportados”.
Depois, “a partir destes países é difícil pedir vistos humanitários, porque é preciso reunir provas e documentos, e também não se considera que se está em perigo quando se está fora da Rússia”, salientou.
“Pessoalmente, penso que é necessário um análogo do passaporte Nansen (um documento para apátridas) como parte da construção de um novo governo russo no exílio, que se possa tornar um centro alternativo de poder para as pessoas que querem romper com o regime”, salientou Timofey Bugaevsky.
O dirigente dos Russos Livres responsabiliza Putin por toda esta tragédia: “Quanto mais tempo o deixarem destruir o mundo, mais pessoas morrerão”.
Sveta Azernikova vive em Portugal há 14 anos e já tem cidadania portuguesa. Gestora de um grupo nas redes sociais da comunidade na Madeira, Sveta elogia os “portugueses comuns”, que “sempre foram simpáticos e interessados nos estrangeiros, especialmente naqueles que vêm com ideias, aprendem a língua e respeitam a cultura”.
Contudo, a “atitude das instituições estatais e dos bancos mudou muito e não para melhor”, afirma, admitindo já ter sentido isso na pele, apesar de já ter cidadania e de ter uma vida social ativa.
“Ter a Rússia, a Bielorrússia e até a URSS como local de nascimento cria imediatamente muitos problemas nos bancos. Regra geral, é-nos quase impossível abrir contas, o que impede uma vida e um trabalho normais”.
Isto aconteceu com Sveta: “O banco não nos deu acesso ao nosso depósito, que tínhamos efetuado há cinco anos, poupando dinheiro para a educação do nosso filho. E tenho a certeza de que, se não fossem as ações do meu marido, não teríamos podido utilizar esse dinheiro até agora”.
No plano pessoal, apesar de não se rever no regime, Sveta Azernikova admite estar numa situação difícil: “Tenho dificuldade em falar com os meus amigos na Rússia, porque muitas vezes eles têm medo ou estão expostos à propaganda russa”.
Simultaneamente, admite dificuldades em falar com os seus amigos ucranianos: “Porque me sinto culpada e responsável pelo mal que o meu país está a cometer”.
Do universo de processos pendentes, há cerca de dez mil pedidos de regularização de russos desde fevereiro do ano passado. São “russos que fugiram da guerra” e “pessoas que não aceitam a agressão e o assassínio, pessoas que valorizam a liberdade, a democracia e a sua própria liberdade”, explicou Sveta Azernikova.
No entanto, esses imigrantes “têm poucos ou nenhuns direitos em Portugal, a menos que tenham solicitado um regime de proteção temporária”.
“A maioria vem com visto de turista e não tem direito formal a solicitar esse estatuto”, embora muitos sejam de facto refugiados, diz.
Apesar das dificuldades, Timofey Bugaevsky admite que a situação particular de muitos russos não pode ser comparada com quem viu o seu país invadido.
“Gostaria de afirmar que os problemas que têm ocorrido com os deslocados da Rússia não são nem de perto nem de longe os que estão a criar as tropas russas aos ucranianos e quanto mais depressa o agressor for derrotado, menos problemas todos terão”, acrescentou o dirigente dos Russos Livres.