Numa altura em que discute o Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, João Cerejeira, professor da Universidade do Minho, faz questão de apontar lacunas que “vão afetar a Europa e os seus cidadãos a médio e longo prazo”.
A primeira tem a ver com o envelhecimento da população e a mobilidade dos trabalhadores. Por exemplo, Portugal, dentro de 50 anos, deverá ter menos 20% de população residente. O especialista frisa que nem todas as regiões e países vão ser afetados da mesma forma: as cidades e zonas urbanas terão tendência a estabilizar a população ou a aumentá-la, enquanto outras, nas zonas periféricas ou interior, vão continuar a perder gente.
“Isso vai afetar muito os sistemas Segurança Social, especialmente os de base redistributiva, financiados pelas contribuições da população ativa e a médio-longo prazo poderemos ter uma pressão diferenciada, em termos de regiões e países.”
Situação que, na opinião do especialista, se agrava num contexto de mobilidade de trabalhadores e em que os mais qualificados procuram as mais atrativas, deixando as mais atrasadas. O que é grave para os seus sistemas de proteção social, financiados apenas com recursos nacionais, que se vêm limitados para acorrer ao pagamento de pensões de velhice, desemprego ou para assegurar rendimentos mínimos.
Por isso, João Cerejeira aponta como uma lacuna do Pilar Europeu dos Direitos Sociais
o facto de não prever a existência de algum tipo de seguro de desemprego ou de rendimento para a velhice, a nível europeu, que compense as regiões e países europeus menos atrativas.
Na prática “seria um sistema de Segurança Social de apoio aos desempregados e idosos, numa base de financiamento europeu comum. A vantagem do subsídio europeu comum é a de funcionar como estabilizador automático face a choques heterogéneos no espaço europeu, permitindo que as regiões em expansão compensem as que estão em recessão”.
O professor da Universidade do Minho aponta ainda a falta de formação académica nalguns países (só 49% da população ativa tem o ensino secundário, face à média europeia de 80%) e que vai continuar a ter impacto pelo menos a médio prazo.
“A pandemia só reforçou a importância das qualificações para o recurso ao teletrabalho. Com o incremento da digitalização, os países menos dotados de educação, mesmo básica, vão ficar para trás”. Defende por isso a criação de um espaço de qualificação europeu, dando especial atenção aos países em que o défice de qualificação da população adulta é grande.
Pandemia reforçou desafios da economia digital e necessidade de proteger os trabalhadores
Graça Enes, professora da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, sublinhou que a economia digital e a pandemia são dois desafios conexos: a economia digital está a revolucionar as condições de trabalho e a fomentar uma precarização genérica que exige a atenção do legislador e que tem que ser revista a nível europeu”.
Na opinião da docente, a pandemia mostrou que o teletrabalho afinal também tem muitos problemas associados: além de não ser sempre uma boa forma de conciliar a vida profissional e pessoal, serve também como via de prestação de serviços que atravessam fronteiras, pondo em causa as regras de destacamento de trabalhadores. Por outro lado, pode ser uma via para aumentar o trabalho não declarado.
Questões que, segundo Graça Enes, exigem resposta no Plano de Ação para o Pilar dos Direitos Sociais.
Não há recuperação económica sem recuperação social
Para Carlos Farinha Rodrigues, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), a crise mostrou a necessidade urgente de reforçar a Europa social, “com uma alteração qualitativa na forma como vemos o Estado social”.
“Não é possível uma recuperação económica sem recuperação social. Podem fazer a revolução digital, ter uma economia mais amiga do ambiente, mas só terão sucesso se forem acompanhadas por medidas sociais que assegurem a coesão social para que as mutações que se verificam no mercado de trabalho não deixem ninguém para trás.”
Sobre o destaque dado no Plano ao salário mínimo europeu e ao rendimento mínimo europeu, Farinha Rodrigues alerta que é necessário ter um quadro consistente e ter em conta que, nalguns países, está bastante abaixo do salário médio ou mediano e noutros, como em Portugal, aproxima-se do médio. Por isso, a evolução do salário mínimo não pode ser desligada da evolução mais geral dos salários no conjunto da economia.
O professor universitário deixa claro que o reforço do Estado Social e a luta contra as desigualdades sociais deve ser “um desígnio da União Europeia”.
Salário mínimo europeu gera “concorrência mais justa” na UE
O comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, defende que a definição de salário mínimo europeu tem vantagens para as pessoas e para a Europa.
Na conferência em que participou esta manhã com portugueses, Nicolas Schmit deixou claro que “a competitividade da economia não se faz à custa de baixos salários, mas cada vez mais, com competências, investimento tecnológico e conhecimento. Por isso, os salários mínimos permitem às pessoas ter uma vida mais digna e por outro lado, fomentar uma concorrência mais justa, sem “dumping” salarial”.
Para o comissário, a Europa tem que trabalhar para que a crise não aumente a pobreza e as desigualdades sociais.
Nicolas Schmit defendeu ainda a existência de um setor social forte, que se torna cada vez mais necessário numa Europa envelhecida. Além disso é uma fonte de emprego para muita gente que assim, evita a situação de pobreza.
O comissário referiu ainda o reforço dos sistemas de proteção social e de saúde. E não se esqueceu de mencionar que a Comissão recomendou a Portugal um maior investimento no setor da saúde.
O Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais está em discussão e deverá ser aprovado na Cimeira Social agendada para maio, no Porto, no decorrer da Presidência Portuguesa da União Europeia.