Uma em cada três mulheres já foi vítima de violência física ou sexual por parte dos seus parceiros, números praticamente inalterados na última década e provavelmente inferiores à real extensão do problema, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
O “maior estudo alguma fez feito sobre violência contra mulheres”, frisou o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, em conferência de imprensa de apresentação do documento das Nações Unidas, que incidiu sobre 158 países com dados recolhidos entre 2000 e 2018, revela também que a violência contra as mulheres começa cedo nas suas vidas e é mais grave e desproporcionada nos países mais pobres, mencionando a Oceânia, a África subsariana e o sudeste asiático.
Uma em cada quatro adolescentes entre os 15 e os 19 anos já sofreu violência física ou sexual por parte dos seus parceiros.
“Os resultados revelam um retrato devastador”, disse o diretor-geral da OMS, apontando que 736 milhões de mulheres já sofrerem violência pelo menos uma vez na vida, um facto com custos e consequências de saúde duradouros, a nível físico, mental, sexual e reprodutivo, mas também sociais e económicos, mas com respostas possíveis, conhecidas e que funcionam.
Tedros Ghebreyesus elencou um conjunto de “ferramentas” em várias áreas, como ferramentas económicas que garantam mais direitos e melhores salários às mulheres; de educação, com programas que questionem estereótipos e incluam educação sexual; ou sociais, com modelos que questionem normas e visões de masculinidade e condenem a violência contra as mulheres.
“A ferramenta mais poderosa que temos somos nós próprios. Podemos todos dizer que a violência contra as mulheres nunca será aceitável. Podemos todos ensinar os nossos filhos que a violência contra as mulheres não é aceitável e podemos todos tratar as mulheres nas nossas vidas com o respeito e a dignidade que merecem”, disse.
Cláudia Garcia Moreno, que coordena o departamento da OMS que trabalha com a saúde sexual e reprodutiva das mulheres e lidera os trabalhos contra a violência sobre as mulheres, disse que a verdadeira prevalência será ainda desconhecida, uma vez que mesmo com o impulso de movimentos sociais de denúncia e contra a violência sobre as mulheres, como o ‘MeToo’, este é ainda um “assunto estigmatizante” que deixa muitas mulheres em silêncio.
O diretor-geral da OMS sublinhou a necessidade de estratégias orientadas para o trabalho com comunidades que compreenda as suas especificidades culturais, referindo que o problema está muitas vezes na família, que obriga a que os casos não sejam revelados, ou em convenções sociais que normalizam e aceitam a violência.
Questionada sobre os dados e a sua comparabilidade, nomeadamente devido a diferentes métodos de recolha dos países, Claudia Garcia Moreno defendeu que estes “são tão robustos quanto possível” de acordo com a informação fornecida por cada país, mas admitiu que a recolha de dados tem desafios que necessitam de continuar a ser trabalhados e que neste momento não é possível estabelecer comparações nem apontar tendências.
Por serem dados até 2018, a responsável sublinhou que não é possível tirar ilações face à pandemia de Covid-19, que será abordada em inquéritos futuros, mas frisou que os números revelam que a violência contra as mulheres já era um problema prevalente na sociedade.
“A pandemia expôs os problemas sérios que o mundo tem. Pobreza, desigualdade, consequências das alterações climáticas, violência contra as mulheres, todos problemas com uma dimensão maior do que a que julgávamos ter”, disse, por seu lado, Tedros Ghebreyesus, frisando que no pós-pandemia será necessário “reconstruir melhor”, com uma perspetiva abrangente e de conjunto.