O acesso a berçários, creches e ao pré-escolar tem melhorado, mas ainda existem "grandes desafios" para alcançar as famílias mais desfavorecidas, alerta o relatório da OCDE "Education at a Glance 2024".
Os investigadores da OCDE voltaram a fazer um retrato do mundo da educação e concluíram que houve "melhorias significativas" no acesso ao ensino pré-primário, ou seja, no acesso das crianças entre os 3 e os 5 anos. Mas, na maioria dos países, ainda é difícil conseguir uma vaga para os mais novos, alerta a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), no relatório divulgado esta terça-feira.
"Continuam a existir grandes desafios para aumentar a participação e a qualidade dos serviços e torná-los mais acessíveis para as famílias desfavorecidas", lê-se no documento. Os investigadores salientam a importância da primeira infância, em especial para as crianças mais desfavorecidas, mas alertam que são precisamente estas que continuam a ter mais dificuldade em aceder-lhe.
Em Portugal, são os mais pobres que menos frequentam creches
"Em Portugal, tal como na maioria dos outros países da OCDE, as crianças com idades compreendidas entre os zero e os 2 anos" de famílias mais carenciadas têm menos probabilidades de participar em estruturas de acolhimento do que as de famílias mais privilegiadas. Vários estudos têm indicado que a educação na primeira infância pode ajudar a reduzir as diferenças de desenvolvimento que colocam algumas crianças em desvantagem quando se inscrevem no 1.º ciclo.
Sabendo que as desigualdades educativas começam cedo, muitos países têm tomado medidas, mas os investigadores dizem que são precisas mais.
"As taxas médias de inscrição em programas de desenvolvimento da primeira infância para crianças com menos de 3 anos de idade aumentaram de 28% em 2013 para 32% em 2022 nos países da OCDE, mas continuam relativamente baixas", refere o estudo. Atualmente, apenas uma em cada três crianças com menos de dois anos de famílias com rendimentos mais baixos frequenta uma creche, ao passo que entre os mais privilegiados, a taxa sobe para 50%.
No pré-escolar, país destaca-se pela positiva
Já a participação no ensino pré-primário melhorou significativamente. Em mais de metade dos países da OCDE, a escolarização das crianças entre os 3 e os 5 anos é quase universal, com taxas a rondar pelo menos os 90%.
Portugal destaca-se pela positiva, ao lado da Bélgica, França, Luxemburgo, Peru, e Reino Unido, onde há cada vez menos crianças de 4 anos fora da escola: Estes seis países têm "as taxas de inscrição mais elevadas de crianças de 4 anos na educação infantil e no ensino primário", com valores "iguais ou superiores a 99%".
Perante estes dados, os investigadores defendem que é preciso aumentar o financiamento dos programas para as crianças mais novas, à semelhança do que já acontece com o ensino básico e secundário, e assim reduzir significativamente as contribuições dos agregados familiares.
Atualmente, "as famílias são responsáveis por 13% das despesas totais com o ensino pré-primário em média dos países da OCDE e a percentagem ultrapassa os 20% em países como a Austrália, Dinamarca, Eslovénia, Portugal e Reino Unido, o que realça a necessidade de um maior investimento público direcionado para as famílias desfavorecidas nestes países para apoiar o acesso equitativo de todas as crianças".
O estudo refere que Portugal tem projetos que pretendem garantir a todas as crianças uma vaga gratuita, mas sublinha também que "a procura excede a oferta de educação infantil disponível".
O relatório corrobora outros estudos que indicam que as desigualdades mais significativas no domínio da educação estão relacionadas com o meio socioeconómico dos pais e dos alunos e que mesmo nos países considerados mais equitativos, os alunos mais desfavorecidos não conseguem atingir o mesmo nível de desempenho.
"O sucesso escolar transmite-se de geração em geração: 30% dos adultos cujos pais não atingiram o ensino secundário também não o fizeram, mas apenas 4% dos adultos cujos pais concluíram o ensino superior não atingem, pelo menos, o ensino secundário superior", sublinha o relatório.
Mais salário e respeito pela profissão poderá atrair mais docentes
A escassez de professores está a aumentar em todo o mundo, ainda segundo o estudo da OCDE que analisou diferentes políticas e concluiu que é preciso aumentar salários, atribuir subsídios, mas também tornar a profissão mais respeitada.
Há cada vez mais diretores escolares "a relatar a falta de professores" e são também mais aqueles que associam esta escassez a falhas na instrução dos alunos.
"No início do ano letivo de 2022/23, 18 dos 21 países para os quais existem dados disponíveis enfrentavam escassez de professores e não tinham conseguido preencher todos os seus postos de ensino vagos", lê-se no documento hoje divulgado, que mostra que as três exceções eram Grécia, Coreia e Turquia.
Nos restantes países, o envelhecimento da classe e a dificuldade em atrair jovens qualificados que ocupem o lugar dos que se reformam é um desafio: Entre 2013 e 2022, os docentes com mais de 50 anos na OCDE aumentaram de 35% para 36%, mas em Portugal, passaram de 33% para 57%. Sem professores, as aprendizagens dos alunos não se fazem e, segundo os diretores escolares, a situação tem vindo a agravar-se: A proporção de alunos prejudicados passou de 26% em 2018 para 47% em 2022.
Mas também aqui esta é uma média que esconde realidades bem mais dramáticas, como é o caso de Portugal, que surge ao lado de outros sete países onde o aumento foi superior a 30 pontos percentuais em apenas quatro anos. "A escassez de professores pode agravar as desigualdades", acrescentam os investigadores, explicando que é nas escolas mais desfavorecidas que se sente mais o problema: "Isto é preocupante, pois os alunos que mais precisam de aprendizagem de alta qualidade parecem ser os que têm menos acesso a ela".
Regressando aos 21 países em análise, nove sofrem com a falta de professores a todas as disciplinas e outros nove a apenas algumas áreas.
"As escolas não são igualmente afetadas" e os países avançaram com diversas medidas: Cerca de um terço passou a oferecer subsídios a quem aceitasse ensinar em escolas remotas e cerca de um em cada dez países oferece subsídios a quem ensina em escolas desfavorecidas a nível socioeconómico. Os investigadores da OCDE sublinham a necessidade de aumentar salários, atribuir subsídios e melhorar as condições de trabalho para tentar atrair e reter pessoal docente de qualidade.
Os salários dos professores ainda são inferiores aos de outros trabalhadores com qualificações equivalentes em quase todos os países, refere o estudo. Mais uma vez, Portugal surge como uma exceção, mas agora ao lado da Costa Rica e dos professores do ensino secundário na Alemanha que também auferem salários superiores à media dos trabalhadores com as mesmas qualificações.
Em Portugal, o Governo desenhou agora um subsídio de deslocação, entre 150 e 450 euros mensais, para quem fique colocado a mais de 70 quilómetros de casa e aceite dar aulas numa escola com falta de docentes. A OCDE lamenta que os subsídios não sejam "tão amplamente utilizados pelos países da OCDE, como seria de esperar".
Em países como Israel, Japão e Noruega, os subsídios não se destinam apenas a facilitar o recrutamento, mas também a reter professores de alta qualidade em áreas remotas, refere o relatório. A ideia é velha, tem sido defendida por sindicatos e Governo, e agora é retomada pela OCDE: É preciso tornar a profissão mais atraente, escrevem os investigadores.
Como? Além de salários mais competitivos, "os países poderiam também oferecer mais oportunidades de desenvolvimento e mobilidade, reduzir a carga de trabalho administrativo e melhorar a imagem dos professores aos olhos do público", defendem no relatório.
Também em Portugal, o excessivo trabalho burocrático tem sido apontado pelos sindicatos como um problema e tanto a anterior equipa do ministério da educação como a atual prometeram reduzir essas tarefas.
Para os investigadores da OCDE, é crucial garantir que os professores conseguem concentrar-se mais no seu papel principal de educar os alunos.
A OCDE considera que "os incentivos financeiros por si só não são suficientes para atrair candidatos motivados" e que existem outras medidas "igualmente importantes", que vão desde o apoio profissional a um "forte reconhecimento público dos esforços dos professores que ensinam em escolas desfavorecidas".