Herman José vai ser condecorado na terça-feira com a Medalha de Mérito Cultural, pelo Governo português. A entrega acontece no dia em que o humorista celebra 70 anos de vida e no momento em que assinala meio século de carreira.
Herman concede uma entrevista à Renascença em que aborda temas que vão desde a política nacional à política internacional. Fala ainda da admiração que tem pela Renascença.
Boa tarde, senhor Comendador.
(Ri-se) É verdade, neste momento Bi-Comendador, porque fui condecorado em 1992 e foi em 2013, portanto isto tem sido uma grande barrigada de honrarias.
Herman, já é Grande Oficial da Ordem do Infante Dom Henrique. Sente que esta condecoração do Governo tem tanta importância como a da Presidência ou é como se estivéssemos a comparar ganhar um Óscar com um People's Choice Award?
Por acaso eu acho que nesse aspeto eles estão completamente na horizontal. Eu dou-lhes igual importância por uma razão muito simples: a única motivação por trás da condecoração é a generosidade e a simpatia de quem se assume meu seguidor e meu fã há muito tempo. É o caso do Professor Marcelo, que sempre foi de uma gentileza irrepreensível comigo e é também o caso de Pedro Adão e Silva e de António Costa, que são desde sempre pessoas de uma grande fidelidade, sensibilidade e amizade.
"(...)São coisas que podemos emoldurar e pôr na parede, são coisas que nos fazem sentir bem, porque nem sempre nestes países evoluídos e rápidos, se utiliza uma coisa chamada discriminação positiva."
De resto dos espetáculos mais bonitos que eu fiz na minha vida, foi uma passagem de ano memorável no Terreiro do Paço de 2014 para 2015, que foi uma encomenda de António Costa.
Portanto, essa foi também uma belíssima condecoração, porque foi ao vivo e teve 100.000 pessoas a bater palmas. Esta simbolicamente é muito forte, porque são coisas que ficam connosco, são coisas que podemos emoldurar e pôr na parede, são coisas que nos fazem sentir bem, porque nem sempre nestes países evoluídos e rápidos, se utiliza uma coisa chamada discriminação positiva.
Somos muito bons a criticar, mas são raras as vezes em que paramos para agradecer e homenagear o que é muito, muito gentil.
Sente que está a haver uma banalização de condecorações? Já quase só faltava o Herman ser condecorado.
Isso não é bem assim, porque eu sou dos primeiros a ser condecorado em 1992, ou seja, eu ainda era jovem, ainda nem 40 anos tinha e tive a felicidade de ser condecorado na altura pelo Presidente Mário Soares com a presença do Professor Cavaco [Silva], então primeiro-ministro, e do senhor António [Ribeiro], Cardeal-Patriarca de Lisboa, que era uma pessoa fora do comum.
Foi uma cerimónia linda no Teatro São Carlos, portanto, eu nesse aspeto não me posso queixar de banalização, fui logo dos primeiros a ter a honra máxima de estar presente numa cerimónia tão marcante, da qual nunca mais me esqueci. Curiosamente, na mesma cerimónia onde António Pedro Vasconcelos foi condecorado, que nos deixou há pouco tempo e eu lembrei-me, de repente, que tínhamos estado juntos nesse momento tão especial.
Podemos dizer que estamos numa situação política instável. Como é que um humorista olha para esta situação? Consegue achar graça e fazer piadas com este ambiente político?
Eu acho que há vários tipos de humoristas. Há o humorista que adquire a técnica para depois fazer rir e que vai lutando para ir cada vez mais melhorando na arte de caricaturar. E depois há outro tipo de humoristas que é uma espécie de uma doença, que é o que eu tenho, que é uma espécie de uma diabetes que nasce connosco.
"(...)nas alturas mais desgraçadas, em plenas guerras e nas alturas mais tremendas, houve sempre quem fizesse rir os seus concidadãos e, mesmo em Portugal, se reparar para cada coisa que acontece, passado meia-hora, circula logo uma anedota."
Nós, desde pequeninos, desde os três, quatro anos que começamos a gozar com os professores, levar os primeiros castigos porque fomos longe demais nas brincadeiras, portanto, é uma coisa superior a nós próprios. Quando se tem essa doença chamada humorismo, esse tal tipo de diabetes que eu lhe digo, tudo nos faz rir, portanto, não há situações nem más nem boas. E devo-lhe dizer que nas alturas mais desgraçadas, em plenas guerras e nas alturas mais tremendas, houve sempre quem fizesse rir os seus concidadãos e, mesmo em Portugal, se reparar para cada coisa que acontece, passado meia-hora, circula logo uma anedota. Portanto, eu acho que o humor resiste a todos os tempos e a todas as crises.
Mas olhando, por exemplo, para o resultado das eleições, e para a possível instabilidade no Parlamento, é possível brincar com isso?
A situação política não me aflige. Eu sou muito vidrado na política mundial e depois de ver o que se passa em Israel ou na Ucrânia ou em democracias musculadas ou falsas democracias, como a venezuelana, eu acho que nós estamos numa posição extraordinária, até os americanos estão piores que nós nesta parte.
Até o nosso partido dito de extrema-direita, defende muitos valores civilizacionais que alguma direita de outros países não defende. Portanto, não acho que nós estejamos muito mal, eu estaria muito mais preocupado se fosse americano e estivesse na iminência de voltar a ter o Trump como Presidente.
Já passou pela RTP, SIC, TVI, Rádio Comercial, Antena 1 e TSF. Para quando um programa na Renascença?
Tem piada que há muitos anos o primeiro convite que eu tive para fazer rádio, veio de um então jovem Rui Pêgo que me encomendou uma rubrica de humor que na altura não teve a aprovação do então diretor de conteúdos, Henrique Mendes, que achou que era um bocadinho atrevido demais, era uma outra Renascença, eram outros tempos. Mas depois fui sempre visitando a Renascença, muitas vezes, nomeadamente nos tempos do António Sala e, hoje em dia, a Renascença é berço para o que de melhor do humor se faz em rádio, o que é extraordinário e o que demonstra várias coisas: demonstra a prova de inteligência do Patriarcado português, da modernidade da empresa e da lucidez com que se acompanharam os tempos.
"O nosso partido dito de extrema-direita, defende muitos valores civilizacionais que alguma direita de outros países não defende. Portanto, não acho que nós estejamos muito mal"
Portanto trabalhar na Renascença seria uma coisa que hoje em dia faria com muito, muito gosto e muito prazer. Tenho sido convidado por várias rádios para voltar a trabalhar. É uma coisa demasiadamente dura para voltar a fazer. Fiz muito nos anos 90 na TSF humor diário durante anos, como a Joana [Marques] está agora a fazer, que é uma coisa de um esforço louco. Há mesmo uma altura própria para a gente conseguir tanta luta, tanto sofrimento, tanto suor e tantas lágrimas.
Hoje em dia gosto mais de ser ouvinte do que propriamente interveniente. Estou muito feliz a fazer o meu programa na RTP que é feito em total liberdade e com muita qualidade, todas as quartas-feiras. E faço os meus espetáculos e aproveito para lembrar que tivemos de abrir mais uma sessão no dia 4 de outubro, vamos estar no Campo Pequeno e o dia 5 de outubro esgotou felizmente.
O nosso dia 19 de outubro no Porto também está praticamente esgotado só faltam uns bilhetinhos no segundo balcão e isto é também uma grande alegria saber que não somos só acompanhados por medalhas, mas também pelo carinho do público que ainda por cima tem a generosidade de comprar o seu bilhete.