O acordo do eurogrupo a que se chegou na semana passada foi uma desilusão, por duas ordens de razão. A primeira situa-se no plano económico. A não ser feito mais nada, as desigualdades entre os Estrados Membros pertencentes à zona euro vão aumentar porque é muito claro que os países mais endividados vão ter muito mais dificuldades em relançar as suas economias. O aumento das desigualdades vai também aumentar pelo facto de ser ter alargado a possibilidade dos Estados poderem auxiliar as empresas e, como os mais fortes ajudarão as suas economias mais do que os mais fracos, por esta via as desigualdades também se agravarão. É o caso típico de desvirtuação da concorrência, que atenta contra as regras do mercado único.
A segunda razão situa-se no plano político. Se numa situação de pandemia generalizada ainda não veio ao de cima um sentimento de pertença, isso significa que os sonhos, os valores e os ideais que estão na base do projeto político de integração económica e política da Europa já não existem. A ténue, muito ténue, esperança de que isto possa ter uma saída reside no parágrafo das conclusões dessa reunião, que remete para soluções inovadoras em termos de financiamento que venha a servir de suporte a um grande programa europeu de relançamento da economia.
A experiência dos últimos anos mostra que as instâncias europeias só tomam decisões no limite do desespero, soluções encontradas em longas madrugadas, preparadas em cima do joelho, que permitam que cada um possa, perante as câmaras das televisões nacionais, anunciar que valeu a pena o esforço, pois conseguiram uma grande vitória. Foi exatamente assim que ser leu nas primeiras páginas da imprensa holandesa, no dia seguinte ao final da última reunião do eurogrupo.
Percebe-se que os agentes políticos que se sentam à volta daquelas mesas de Bruxelas tenham que prestar contas aos seus eleitores nacionais, só que entendem fazê-lo através da via mais fácil que é comunicar o que os seus compatriotas querem ouvir. Mas este não é o momento para esse exercício fácil da política. O momento é para aqueles que têm a envergadura e a convicção de que o caminho se afirma por terem a capacidade de dizer aos seus eleitorados que, podendo parecer injusta ou desequilibrada uma dada solução, ela é a melhor em termos de consolidação do futuro, em paz e prosperidade. Foi o que em épocas não muito distantes, perante em situações difíceis, fizeram, entre outros, Kohl, Mitterrand e Delors.
Sobre a construção do projeto político europeu Delors disse que eram precisas três coisas. “Competição que estimule, cooperação que reforce e solidariedade que una”. Faço votos para que seja ouvido pelos decisores deste tempo.
*José da Silva Peneda. Antigo ministro do Emprego e da Segurança Social, eurodeputado e conselheiro do presidente da Comissão Europeia Jean Claude Juncker.