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O Presidente da República vetou o diploma da eutanásia por "deficiência da técnica legislativa que a Assembleia da República" e ainda pode recorrer ao Tribunal Constitucional, afirma o constitucionalista Paulo Otero, em declarações à Renascença.
Marcelo Rebelo de Sousa vetou esta quarta-feira a nova versão da lei da eutanásia e devolveu o diploma ao Parlamento, sem promulgação.
Paulo Otero defende que o Presidente "não é obrigado a promulgar" se subsistirem dúvidas constitucionais.
O Presidente da República vetou o projeto de lei sobre a despenalização da morte medicamente assistida/eutanásia e devolveu o diploma ao Parlamento. Os deputados vão ter mesmo que clarificar as dúvidas colocadas por Marcelo Rebelo de Sousa ou podem, simplesmente, votar a lei tal como está e remeter a Belém para promulgação?
O Presidente da República devolveu ao Parlamento, mas devolveu ao Parlamento com convite implícito para o Parlamento aperfeiçoar a lei. Uma vez mais. Já anteriormente, o Presidente da República tinha dito, no anterior veto político, e já o Tribunal Constitucional reafirmou que há uma grande deficiência, em termos de técnica legislativa, dos diplomas provenientes do Parlamento em sede de eutanásia.
Mas aí o Parlamento pode bater o pé. Ou seja, aprovar por maioria absoluta, dizendo: “Não temos nada a clarificar”?
Teoricamente, o Parlamento pode fazê-lo. Mas, mas, se o fizer, fica instalada uma dúvida jurídica pertinente. Eu diria até duas dúvidas jurídicas pertinentes em que, verdadeiramente, o Presidente da República ao utilizar este veto, mais do que agir como agente político, agiu como professor de Direito.
O diploma não pode, numa área tão sensível quanto esta, que envolve o direito à vida, levantar dúvidas sobre, por exemplo, quem é que formula um juízo sobre a incapacidade de a pessoa recorrer ao suicídio assistido e poder utilizar a eutanásia.
Caso o Parlamento envie novamente para a Presidência da República a lei tal como está, sem alterações, o Presidente é obrigado a promulgar?
A meu ver não é. O Presidente não é obrigado a promulgar, por duas ordens de razões. Primeiro, porque ainda pode desencadear a fiscalização preventiva, e o fundamento deste veto político abre caminho para essa possibilidade. Segundo, a meu ver, o Presidente pode, por razões de objeção de consciência, recusar legitimamente a promulgação.
Na prática, recebendo a lei com ou sem alterações, Marcelo pode enviá-la ainda para o Tribunal Constitucional...
Ainda pode enviar para o Tribunal Constitucional, mas eu sublinhava o seguinte: O veto do Presidente não é um veto por discordância política. É um veto por deficiência da técnica legislativa que a Assembleia da República, uma vez mais, manifestou. É um apelo, e um convite, para que o Parlamento possa, no fundo, aperfeiçoar a lei.
É verdade que a experiência nos diz que os deputados não têm uma particular sensibilidade, ou conhecimento jurídico, e é de presumir que o que quer que venha de lá seja ainda pior do que aquilo que veio ultimamente de lá, e para lá regresse. Isto é: É de presumir, é possível entender, que as alterações que o Parlamento venha a introduzir suscitem novas dúvidas, designadamente novas dúvidas de constitucionalidade.
Já hoje falei com constitucionalistas, como Teresa Violante, que, ao contrário de si, entendem que, se o Parlamento devolver tal como está o diploma, nesse caso, Marcelo tem mesmo que promulgar. Esta matéria não é consensual entre os juristas.
Teria que promulgar se o diploma fosse constitucional. Mas o diploma não é constitucional e o Presidente da República jurou defender a Constituição, de forma que nunca poderá estar obrigado a promulgar aquilo que é juridicamente inconstitucional.