Entrevista. Ricardo Rio "não descarta" candidatura a líder do PSD
27-05-2022 - 19:07
 • Tomás Anjinho Chagas

Em entrevista à Renascença, o presidente da Câmara de Braga não revela quem apoia na corrida à liderança nas diretas de sábado, faz balanço “negativo” dos anos de Rui Rio e não nega que pode vir a ser candidato um dia.

É formado em Economia pela Universidade do Porto, mas é em Braga que tem feito carreira, e na política. Ricardo Rio tentou duas vezes e ganhou à terceira. Em 2013, voltou a candidatar-se e conquistou a Câmara de Braga, que era do PS desde que o país entrou em democracia.

Em véspera de eleições diretas no PSD, fala num partido “adormecido” e do “desgaste” provocado pelas sucessivas disputas internas. O autarca de Braga faz um balanço “francamente negativo” da presidência de Rui Rio e, desta vez, prefere não apoiar ninguém publicamente.

No seu gabinete, na Câmara Municipal de Braga, recebe a Renascença, e admite que pode, um dia, vir a ser candidato à liderança do PSD.

Quem é que seria o melhor pessoa para ser futuro líder? Nas últimas diretas apoiou Paulo Rangel. Quem é que apoia desta vez? Luís Montenegro ou Jorge Moreira da Silva?

Não vou tornar pública essa posição. Amanhã vou, obviamente, exercer o meu direito de voto enquanto militante.

Eu entendi, já em eleições anteriores que quando nos envolvemos numa candidatura temos que estar absolutamente convencidos de que essa é a melhor das duas para podermos ser prescritores da mesma para os demais militantes.

Eu acho que, neste momento, Luís Montenegro e o Jorge Moreira da Silva são dois excelentes candidatos. São duas excelentes mais-valias do ponto de vista político também para o nosso partido.

Mas têm fatores que se complementam e, portanto, também estou totalmente convencido de qual é efetivamente melhor para o futuro do PSD face ao outro. Daí que tenha optado por ter uma posição neutra também nesta eleição direta.

Estamos a poucas horas da eleição do próximo líder. Há um vencedor anunciado? Parece que Luís Montenegro tem o partido conquistado. Será suficiente? Ou a história recente mostra que pode não ser?

Nunca há vencedores antecipados em nenhuma eleição. São os militantes, neste caso, que vão exercer o seu direito de voto e escolher o futuro líder.

É óbvio que há sinais. Mas também no passado recente se poderia antecipar que o sentido da votação ia numa determinada direção e depois o resultado ou não não correspondeu totalmente. Eu acho que é difícil antecipar.

Cada militante é um voto de facto e são os militantes que, amanhã, vão participar que vão decidir.

Esse foi o caso de Paulo Rangel. É uma possibilidade para daqui a dois anos voltar a candidatar-se à liderança do PSD?

Acho que amanhã nós vamos eleger um líder, e esse líder tem que trabalhar num horizonte temporal alargado.

Obviamente que as circunstâncias determinarão qual é a avaliação, quando houver novo ato eleitoral, os próprios militantes, os putativos candidatos, os militantes no seu todo terão que fazer.

Mas não, nunca poderemos estar à bica de um ato eleitoral a pensar já qual é que vai ser o rol de candidatos que se vai submeter ao próximo.

Não pode ser isso e acho que seria muito fragilizador para para o partido. O que todos temos de fazer amanhã, qualquer que seja o líder eleito, é trabalhar em conjunto.

O próprio líder tem também uma responsabilidade nessa matéria. Acho que, nos últimos anos o partido esteve um bocadinho balcanizado, demasiado envolvido em fações, e isso prejudicou depois o trabalho conjunto que é necessário para afirmar o partido perante a sociedade.

Era essa pergunta que lhe fazia. Em que estado é que está este PSD que vai a votos amanhã? Qual é o legado deixado por Rui Rio? É apenas o pior resultado da década ou há coisas boas a reter dentro do partido?

Eu diria que o Rui Rio é uma coisa boa do partido, no sentido em que é um quadro político que nós temos que reconhecer que fez um trabalho em diversos contextos, desde o plano autárquico, a várias outras responsabilidades que assumiu a nível nacional, que nos devem orgulhar e que nos devem deixar naturalmente gratos. Não foi o caso enquanto líder do partido.

Acho que a avaliação final é francamente negativa. O partido já estava mal enquanto partido da oposição. Depois de termos vencido as eleições, acabámos por não poder constituir Governo e não soubemos adaptar-nos essa realidade.

E fomos perdendo este vínculo à sociedade e à componente mais positiva da afirmação do partido perante o país, ainda no período da liderança de Pedro Passos Coelho, na sua fase final.

Agravou-se com a situação mais recente, não só pelos resultados eleitorais, mas sobretudo por aquilo que não foi feito, na minha perspetiva, de afirmação de propostas concretas de intervenção em áreas que são determinantes para o futuro do país.

Nestas eleições internas haverá cerca de menos 2.000 militantes com as quotas pagas do que havia nas últimas diretas, em dezembro do ano passado. Isto é um sinal de que as eleições não estão a mexer com o partido? É um PSD cansado ou adormecido?

No seu todo, o partido está relativamente adormecido, ou pelo menos algo acomodado. Eu acho que é uma das grandes responsabilidades que o próximo líder vai ter de desenvolver é de espicaçar o PSD.

Coletivamente, vai ter de mobilizar novamente as diversas estruturas, mobilizar os militantes para que, por todo o território, possamos atingir os objetivos que pretendemos nos diversos atos eleitorais, sejam eles nacionais, europeus ou autárquicos.

De facto, esta esta situação que hoje vivemos acaba por ser também o resultado de um período de eleições sucessivas. De umas eleições diretas há pouco mais de seis meses, que acabam por desgastar internamente o partido e desmotivar os militantes para participarem neste novo ato eleitoral.

E além das caras, também se podia mudar outras peças do jogo? O partido poderia voltar ao método de eleição em congresso?

Há sempre uma grande dicotomia entre mobilização democrática aberta e aquilo é a valorização do debate que gera a eleição. Pessoalmente, eu gosto mais do modelo de eleição em Congresso.

Acho que é bastante mais mobilizador para o partido e facilitador do debate. E, infelizmente, neste caso concreto, até nem o debate houve entre os candidatos.

Eu acho que o modelo de Congresso é um modelo que valoriza essa mesma eleição, até porque, de certa forma, acaba por tornar até mais transparente o processo de escolha das equipas e das pessoas se perceberem logo à cabeça com quem é que se vão identificar em termos de gestão futura do partido.

Carlos Carreiras, seu colega autarca em Cascais, admitiu à Renascença que, se o partido não mudar, corre o risco de desaparecer. Concorda com esta ideia? Há um verdadeiro risco de haver outro partido que ocupe o lugar do PSD na democracia portuguesa?

Nós não podemos ficar indiferentes à pró atividade que outras forças políticas têm. Seja com propostas mais consistentes, seja com abordagens mais demagógicas, e populistas que vão proliferando um bocadinho à nossa volta.

Isso é um risco no sentido em que, quando nós perdemos essa capacidade de representação dos cidadãos, eles acabam por optar por quem está no governo ou por outras forças políticas.

Não haverá um risco de desaparecimento, mas haverá seguramente um risco de diminuição da nossa capacidade de nos constituirmos como a alternativa.

Eu acho que o PSD nunca poderá deixar de ser a alternativa em termos de governo do país. Independentemente do que possa fazer em termos de articulação com outras forças políticas com que se possa identificar, a nível local ou nacional.

Seria essencial que estas diretas fossem vistas como uma das últimas oportunidades de o partido se reorganizar?

As diretas são um veículo. O grande desafio é o trabalho que vai ser feito depois. Acho que é preciso tentar trabalhar o mais possível num horizonte alargado, e tempo de o partido fazer aquilo que não fez ao longo dos últimos anos.

Quando falava do meu caso em Braga, em 2013. Nós já estávamos convictos que iríamos vencer essas eleições em função do trabalho que fizemos no passado.

Foi um trabalho de interlocução com a sociedade civil, de auscultação dos principais interlocutores da sociedade civil, e de propostas muito concretas para cada uma das áreas da governação.

Essa transposição do nosso papel de oposição para o papel do governo até fica facilitado se assim for feito. É isso que aconteceu aqui em Braga e que tem de ser feito também a nível nacional.

Precisamente, aqui em Braga como é que tem sido feita essa campanha? É a segunda maior distrital em número de militantes aptos para votar. Tem sentido a campanha ou parece que tudo passou ao lado do PSD?

Diria que, em comparação com ato eleitoral anterior, pelo menos pelo volume de comunicação das duas candidaturas, está mais residual do que aquilo que aquilo que aconteceu há seis meses atrás.

Há mobilização, no sentido em que há grandes concelhias no distrito: Barcelos, Famalicão, Vila Verde, que estão a pagar quotas e que nos colocam como um dos distritos que tem mais militantes elegíveis para poderem participar.

Mas em tempos de campanha eleitoral, tem sido relativamente amorfa, diria. Face a outros exemplos recentes.

O facto de não haver debates e de não haver uma coordenação entre os dois candidatos, não é sintomático da falta de organização que existe dentro do partido?

Ontem mesmo, os dois candidatos estiveram em Braga, à mesma hora, a apresentar-se aos militantes em locais diferentes.

Poderia ter sido uma excelente oportunidade de se terem juntado e fazerem um debate público, não só para os militantes de Braga, mas eventualmente até disseminado a nível nacional.

Eu acho que nessa matéria as campanhas diretas não fogem muito da realidade das outras campanhas eleitorais.

Acaba por haver um trabalho muito dirigido para os que previamente já tomaram a sua posição. E depois há uma franja de eleitores que acaba por beber das informações que vão sendo disseminadas para fazerem também o seu juízo, mas sem um envolvimento muito direto na própria campanha eleitoral.

Isso é um bom princípio democrático?

É um péssimo princípio democrático. Eu acho que em todas as eleições deve haver o máximo de debate possível. Deve haver o máximo de contacto com os potenciais eleitores e, mais do que isso, tem que depois de existir um diálogo contínuo com os cidadãos.

É autarca, e é certo que tem mandato até 2025. Depois de uma carreira política de sucesso em Braga, passa pela cabeça um dia ser líder do PSD?

Houve quem defendesse que eu deveria ter sido candidato agora, o que seria absolutamente impossível face às muitas responsabilidades e projetos que ainda tenho para este último mandato.

Não é uma questão que descarto de todo, mas também não é algo que tomo como objetivo. Ao contrário daquilo que acontecia com a presidência da Câmara de Braga, que eu cheguei a dizer a certa altura, que era quase um sonho de menino.

Eu não olho para a cadeira de primeiro-ministro porque, obviamente, quem for líder do PSD tem que ser naturalmente candidato a primeiro ministro com uma cadeira de sonho.

É um desafio que, porventura, no futuro poderei não descartar. Mas, como digo não, não é algo para que esteja minimamente focado neste momento e nem sei se no final deste mandato autárquico me continuarei ligado à vida política ativa.

Sente que teria apoios para isso?

Aquilo que tenho a meu favor é, sobretudo, o trabalho que foi desenvolvido na cidade de Braga, quer enquanto responsável de oposição, quer agora como líder da Câmara Municipal, que corresponda às expectativas que os militantes e os cidadãos têm em relação ao seu governante.

Mas há também aí fatores de natureza pessoal, de circunstâncias políticas. Ninguém consegue prever aquilo que vai ser a evolução dos ciclos políticos futuros e, portanto, é um cenário que terá que ser avaliado muito mais para a frente do que agora.

Estamos a poucas horas de decidirmos o próximo líder. O que é que falta mesmo ao PSD, que não pode faltar nos próximos meses, ou anos, até chegar às eleições?

União. Acho que é o elemento chave que em qualquer organização, seja uma empresa ou uma associação. É fundamental um alinhamento com aquilo que são os nossos objetivos.

No caso do PSD, os autarcas, os líderes regionais, as estruturas do partido têm, obviamente, um contributo e uma responsabilidade acrescida para ajudar a que o partido volte a reconquistar a confiança dos portugueses.

Há quanto tempo não existe união no PSD?

Infelizmente, há mais de uma década, seguramente.