“O nosso Governo negou a existência do vírus e pediu às pessoas para não entrarem em pânico”
27-05-2020 - 06:45
 • Anónima*

A Bielorrússia teve, até agora, pouco mais de 200 mortos por coronavírus, segundo dados oficiais. O país tornou-se famoso pela forma como o Governo recusou medidas de confinamento, permitindo, por exemplo, que a liga de futebol continuasse a decorrer. Uma jovem bielorrussa conta como está a ser complicado viver a pandemia nestas circunstâncias.

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A Covid-19 está a afetar a vida de pessoas no mundo inteiro. Contudo, as pessoas lidam de forma diferente com a pandemia por muitas razões, incluindo de política, contexto familiar e escolhas pessoais.

Eu moro na Bielorrússia e o meu país também foi afetado. Começou de repente e embora as pessoas estivessem informadas sobre o facto de o vírus estar a afetar outros estados, ninguém estava preparado para o enfrentar. Assim, quando finalmente o coronavírus cá chegou causou muitos problemas em vários campos: as nossas escolas não estavam preparadas para o ensino à distância, o que causou dificuldades para a aprendizagem das crianças; as pequenas e médias empresas estão a ter grandes perdas; o pessoal médico está a trabalhar incansavelmente para ajudar as pessoas e tudo isto foi agravado pelo facto de não termos tido confinamento. As pessoas precisam de trabalhar para poder pagar os impostos, os alunos precisam de estudar para passar os exames e então o vírus transmitiu-se muito depressa.

A Bielorrússia teve muitos casos de infeção, mas agora o número de doentes estabilizou e a situação parece estar controlada. O número de mortos acabou por não ser tão alto como eu esperava, tendo em conta que não adotámos medidas preventivas.

Por falar em medidas preventivas, fiquei muito surpreendida com a política dos nossos governantes para com a Covid-19, uma vez que eles se limitaram a negar a existência do vírus em si e a pedir às pessoas para serem racionais e evitar o pânico. Sinceramente, fiquei sem saber como reagir perante a situação no meu país, porque claramente havia perigo, e grande risco de infeção, o que podia levar a muitas mortes. Por exemplo, no dia 9 de maio costumamos ter uma grande parada militar em honra da vitória na Segunda Guerra Mundial. Este ano eu estava confiante de que o evento seria cancelado, mas para minha grande surpresa houve ensaios e depois a parada realizou-se mesmo. O mais triste é que apesar desta situação as pessoas foram assistir. Compreendo que é importante mostrar o nosso respeito e agradecimento pelos que lutaram pela nossa paz, mas acredito que seria possível encontrar outra forma de o mostrar, sem incorrer no risco de espalhar a infeção.

Digo isto para mostrar que toda esta situação da Covid-19 no meu país é muito controversa e não é fácil ter uma opinião segura e estável sobre o que está a acontecer. Contudo, há uma coisa de que não tenho dúvidas, isto é, o orgulho enorme que tenho pelo povo do meu país, que contribuem como podem para ultrapassar a pandemia e as suas consequências. Muitos cafés, por exemplo, levam sobremesas e café até aos hospitais, como forma de agradecer aos profissionais de saúde todo o seu trabalho e algumas empresas especializadas no fabrico de roupa redirecionaram a sua produção para o fabrico de máscaras e roupa para o pessoal médico.

Quanto a mim, a nossa família decidiu tomar medidas preventivas, tanto quanto possível. Comprámos máscaras de pano, não só para reduzir as possibilidades de infeção, mas também para apoiar as pequenas empresas locais. Tentamos, ao máximo, ficar em casa, mas não nos podemos confinar totalmente, por várias razões. O meu pai ainda tem de ir trabalhar todos os dias para poder comprar comida e bens de primeira necessidade. Os meus irmãos, apesar de terem boas razões para não ir à escola nesta fase, ainda têm de ir de vez em quando, porque não têm meios para fazer ensino à distância. Para dizer a verdade, a quarentena está a ser muito difícil, mas nós conseguimos aguentar, na esperança de que em breve as nossas vidas possam voltar ao normal. Mal consigo esperar para rever os meus amigos e deixar-me inspirar pelo ambiente incrível da minha cidade, aproveitando cada momento no exterior.


*A autora, que pediu para não ser identificada, tem 18 anos e vive com a família em Minsk.