O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) manteve a pena de dois anos de prisão efetiva aplicada a Armando Vara por branqueamento de capitais, ao rejeitar o recurso da defesa do ex-ministro num processo separado da Operação Marquês.
Armando Vara tinha sido condenado em primeira instância no Tribunal Criminal de Lisboa, em julho de 2021, por um crime de branqueamento de capitais.
“Acordam em negar provimento ao recurso e confirmam o acórdão recorrido”, pode ler-se no acórdão do TRL, a que a Lusa teve hoje acesso, e de que foi relatora a desembargadora Alda Tomé Casimiro e adjunta Anabela Simões Cardoso.
O acórdão da Relação considera que a conduta de Armando Vara “tem de, sem qualquer dúvida, ser tida como um comportamento astucioso através do qual o agente logrou ficar com uma contribuição (imposto) devida ao Estado, assim causando prejuízo ao património fiscal do mesmo Estado”.
No entender do TRL, não houve “uma mera ocultação de rendimentos, um silêncio quanto aos rendimentos recebidos, mas uma ocultação conseguida de forma ardilosa, planificada ao pormenor (com a abertura de contas bancárias no estrangeiro, designadamente 'offshore', em nome de sociedades criadas para o efeito por onde circulava o dinheiro) e, por isso, subsumível ao descrito conceito de “escroquerie” fiscal”.
O TRL não acolheu também a argumentação da defesa do antigo governante, que alegava que as condutas em causa “não são puníveis na Suíça”, e foi mais longe ao denunciar que Vara conseguiu, “através de uma teia de falsidades, não declarar rendimentos, com o fim de não pagar os devidos impostos e enganar a autoridade fiscal”.
O acórdão explica que Armando Vara movimentava as contas da sociedade 'offshore' Vama Holdings, nas quais “o dinheiro entrava após lhe ser entregue, em contado, pelo arguido para, depois, ser reencaminhado para Francisco Canas (dono de uma casa de câmbios em Lisboa) que, por seu turno, fazia chegar o dinheiro à conta da Vama Holdings com outra proveniência indicada, ocultando a real origem do dinheiro”.
Com estas considerações, a Relação defendeu ainda que o tribunal de primeira instância que condenou Armando Vara “não fez uso de prova proibida”, não tendo, por isso, havido violação de normas da Constituição, uma vez que a “prova obtida através de carta rogatória [para a Suíça] não foi validada ao arrepio das regras acordadas” com aquele país.
No recurso, Armando Vara alegava que a pena de dois anos de prisão efetiva que lhe foi aplicada era “absolutamente desnecessária, desproporcional, inadequada, e, de todo o modo, injustificada e desprovida de fundamentação”.
O TRL entendeu que “a ilicitude mostra-se elevada - considerando o desvalor da ação e do resultado – não se podendo olvidar o intrincado plano urdido para ocultar o dinheiro não declarado e o respetivo (elevado) montante, sendo certo que o arguido já auferia rendimentos declarados superiores aos cidadãos em geral”.
A Relação considerou também que os factos imputados a Armando Vara evidenciam dolo “direto e intenso”, uma vez que o antigo ministro “previu e quis as consequências da conduta” em causa. A decisão desfavorável a Vara teve ainda em consideração as “elevadas necessidades de prevenção geral”, lembrando que “o dever de pagar impostos é uma obrigação que concorre para o bem de todos e que fugir ao seu pagamento é uma afronta a todos os portugueses”.
Acrescenta o TRL que Armando Vara “não é um cidadão anónimo”, tendo exercido funções públicas e cargos governativos, e que “não manifestou qualquer arrependimento”.
No recurso agora rejeitado, a defesa do antigo ministro alegou que não ficaram provados os factos típicos de fraude fiscal, pelo que Armando Vara não poderia ser condenado pelo crime de branqueamento, do qual este é dependente e faz prova da origem ilícita do dinheiro. Nesse sentido, entendia que a matéria de facto dada como provada era insuficiente para a condenação, pelo que esta deveria ser revogada e substituída pela absolvição.
“Durante décadas os chamados “crimes de colarinho branco” geraram uma sensação de impunidade: os culpados ou não eram pura e simplesmente punidos (dada a dificuldade da prova) ou eram punidos em pena com execução suspensa”, refere o acórdão, concluindo que “neste tipo de crimes, só especiais circunstâncias podem permitir que se conclua pela suspensão da execução da pena de prisão”, por isso “a pena aplicada não pode deixar de ser efetiva”.
Em causa neste processo está a circulação de um montante equivalente a cerca de dois milhões de euros na conta da sociedade Vama Holdings, que não foram declarados ao fisco, e a imputação de um crime de branqueamento de capitais avaliado em 535 mil euros, valor que foi considerado o “produto” do branqueamento.
Armando Vara já tinha sido condenado em setembro de 2014, pelo Tribunal de Aveiro, a cinco anos de prisão efetiva por três crimes de tráfico de influências, no âmbito do processo Face Oculta. O ex-governante acabou por cumprir pouco mais de metade da pena no Estabelecimento Prisional de Évora, entre janeiro de 2019 e outubro de 2021, saindo em liberdade devido à aplicação das medidas excecionais relacionadas com a pandemia de covid-19.