Marcaram três dias de estúdio e gravaram em apenas dois. Dizem que a amizade ajudou. Mário Laginha e Camané juntam-se, finalmente, em disco e foram buscar o título para o álbum a um poema de Fernando Pessoa.
“Aqui Está-se Sossegado” é o disco que sai esta sexta-feira e que o fadista Camané e o pianista Mário Laginha confessam que surgiu de um processo “contrário” ao normal. Em entrevista à Renascença, explicam que começaram por fazer “uns concertos juntos”, e foi aí que, “ao fim de uns 20 concertos” perceberam que queriam gravar um disco. “Andamos a curtir”, explica Camané ao que Mário Laginha acrescenta que andaram “a descobrir a maneira de fazer disto um disco essencialmente de fado, mas com piano”.
Falam com entusiasmo do que acabam de lançar, vão completando as frases um do outro. A cumplicidade vem de longe entre estes dois artistas. Já tinham atuado juntos com o desaparecido pianista Bernardo Sassetti, num concerto que ficou na memória dos que se sentaram no Centro Cultural de Belém naquela noite. Tinham também juntos dado um concerto no Museu do Fado, apenas com reportório de Amália Rodrigues. Mas a parceria entre Laginha e Camané começou de forma algo cénica, recordam.
“Foi o Manuel Faria dos Trovante que nos convidou para fazermos o lançamento de um carro”, lembra Camané, “foi uma brincadeira”, diz Mário Laginha. Os músicos lembram que o carro desceu para o palco e eles apareceram subindo noutro elevador. Desde então, a amizade foi crescendo. Aliás, questionados sobre se essa amizade ajudou no trabalho, ambos são rápidos a responder que sim e dizem mesmo que foi “fundamental”.
Clássicos e inéditos em disco
O disco é composto por 14 temas. Cinco deles são inéditos. Outros são clássicos do cancioneiro de fado. “É um disco que tem muito fado tradicional”, diz-nos Camané, que para o álbum voltou a gravar temas de discos seus anteriores. Exemplo disso são “Ela Tinha uma Amiga” do disco Pelo Dia Dentro gravado em 2001, “A Guerra das Rosas” gravado em 2010 no álbum Do Amor e dos Dias, entre outros. Mas há também fados que registam em estúdio pela primeira vez, como o “Com que Voz”, eternizado por Amália Rodrigues.
Além dos clássicos, explica o fadista há também cinco inéditos. “Os temas novos que o Mário fez são fantásticos”, refere Camané. Dois dos temas são instrumentais, um dos quais, o “Fado Barroco”, diz-nos o pianista, espelha “uma ligação, que não é estranha, entre a música barroca e o fado”. Laginha fala mesmo numa “experiência” que compôs “em três manhãs”. Camané refere que é um tema “dificílimo de tocar”. A rir, Mário Laginha conclui: “eu nunca facilito a vida a mim próprio!”
O outro instrumental inédito chama-se “Rua da Fé”. Camané assume a paternidade do nome deste instrumental de piano de Mário Laginha. “Fui eu que dei o nome, porque o Mário fez a música e eu ouvi e disse que parecia a rua onde eu moro”.
Já o título do disco nasce de um dos temas que gravaram. “Aqui Está-se Sossegado” tinha sido incluído em 2015 por Camané no disco Infinito Presente e surge de um poema de Fernando Pessoa. Na entrevista que poderá ouvir na Renascença, no programa Ensaio Geral, Camané explica que foi uma sugestão sua dar ao disco um título a partir de “uma frase que definisse um pouco o estado” em que estavam. O espírito calmo, provocado por um só piano e a voz de fadista traduziu-se na frase de Pessoa, “Aqui está-se Sossegado”.
Mas há mais um dado curioso a envolver o tema que deu título ao disco. Camané lembra que este fado, conhecido como “Fado Espanhol” é do seu bisavô e “foi escrito ainda antes de ele chegar a Lisboa. Ele vinha da Murtosa e passou por Coimbra. Esta música mistura um bocadinho o fado de Coimbra e o fado de Lisboa”.
Camané e Mário Laginha vão subir ao palco juntos já em dezembro e apresentam o disco no Coliseu de Lisboa a 20 de dezembro, mas garantem que vão continuar a tocar juntos, até porque gostam de o fazer.