A Câmara de Montalegre vai interpor uma providência cautelar para travar a exploração de lítio no concelho, um dos projetos que esteve na origem da investigação que, na terça-feira, levou à demissão do primeiro-ministro.
À Renascença a presidente da autarquia, Fátima Fernandes, explica que a ação judicial visa “parar a exploração na mina do Romano”.
“As questões ambientais, no nosso entender, não foram tidas devidamente em conta e basta ver a discrepância entre os pareceres que foram dados aquando da consulta pública, negativos 300 e tal e positivos 16”, diz, completando que “há uma discrepância muito grande, uma correlação de forças que não nos pareceu muito objetiva”.
Fátima Fernandes entende que a mina não serve os interesses no concelho e põe em causa “a água” e também “as espécies, designadamente o lobo e o património, o modo vivendo das pessoas do território”.
A presidente da Câmara de Montalegre refere ainda que “o que esteve em consulta pública foi um projeto como um todo e aquilo que vem no parecer, digamos, já é esse projeto fracionado”.
Já quanto à investigação revelada na terça-feira, e que levou à demissão do primeiro-ministro, António Costa, Fátima Fernandes diz que não tem nada a dizer, esperando que a justiça faça o seu caminho.
“Presumimos a inocência, vivemos num Estado de direito e esse é um princípio basilar, é a presunção da inocência. Portanto, acreditamos na justiça. A investigação que faça ao seu caminho, que apure o que tem a apurar e nós continuamos a fazer aquilo para que fomos eleitos, que é a olhar exatamente pelo nosso território e a nossa gente”, assinala.
A investigação visa as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas, também no distrito de Vila Real), um projeto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines (distrito de Setúbal) e o projeto de construção de "data center" desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.
Questionada sobre se as investigações em curso podem ajudar, de alguma forma, a travar o processo das minas, a autarca insiste que “à justiça, o que é da justiça; à política, o que é da política”.
“Nós não pretendemos que uma determine a outra. Se há questões que importa averiguar, com certeza que o Ministério Público vai fazer o seu caminho, vai chegar a algumas conclusões que, depois, serão públicas. Nós não sabemos o que está por detrás desta investigação, não podemos deduzir que será exatamente esta investigação que vai pôr em causa este projeto”, explica.
Para Fátima Fernandes, “aquilo que tem que pôr em causa o projeto é os aspetos negativos que tem para o nosso território e para a gente da nossa terra”.
A mina de lítio do Romano obteve em 7 de setembro uma DIA favorável condicionada por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que impõe a alocação de "royalties" ao município de Montalegre, medidas compensatórias para as populações locais e de minimização para o lobo-ibérico.
A Lusorecursos já disse que tenciona iniciar a exploração mineira em 2027.
A Associação Montalegre Com Vida, criada para lutar contra a exploração mineira, disse que a investigação divulgada na terça-feira "põe em causa toda a lisura do procedimento na atribuição da concessão de exploração do lítio em Montalegre".
Por isso mesmo, exigiu às entidades competentes que "ajam em conformidade e procedam à anulação de todo o processo".
Desde o início que a associação apontou para "a falta de transparência" no processo.
A concessão mineira do Romano foi assinada em 28 de março de 2019 entre a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a Lusorecursos Portugal Lithium, uma empresa constituída três dias antes da assinatura do contrato.
Na terça-feira, o primeiro-ministro pediu a sua demissão ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que a aceitou, após o Ministério Público revelar que o chefe do Governo é alvo de uma investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça sobre os projetos de lítio e hidrogénio.
Marcelo Rebelo de Sousa convocou para hoje os partidos para uma ronda de audiências no Palácio de Belém, em Lisboa, e vai reunir o Conselho de Estado na quinta-feira.