Vítor Bento acredita que Portugal vai sair do Procedimento por Défice Excessivo (PDE) na próxima segunda-feira. Em declarações à Renascença, o economista defende que a Comissão Europeia (CE) assim decidirá tendo em conta o actual ambiente que se vive na Europa – esta não é apenas uma decisão técnica, mas também política, diz.
O professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova aborda ainda o artigo apresentado esta sexta-feira pelo economista Olivier Blanchard, que aconselhou "cautela" em relação ao crescimento do primeiro trimestre deste ano, alertando que "não vai durar" e que "um pássaro não faz a Primavera".
A Moody’s está mais pessimista que o Governo para 2018 e espera um crescimento mais moderado. Por que razão as agências de “rating” são mais pessimistas do que o Governo?
Não colocaria a coisa nesses termos. Há um lado que vê a situação com mais optimismo e um lado com mais pessimismo. E para perceber isso temos ter em conta qual é o quadro de referência que cada um dos lados tem.
É natural que os governos tenham sempre uma perspectiva mais optimista porque têm interesse em influenciar favoravelmente as expectativas e criar um “mundo opinativo” que lhes seja favorável. É natural que as previsões governamentais precisem de ser vistas como tendo um "grão de sal", uma vez que têm sempre um enviesamento no sentido do optimismo. Essa é, aliás, uma das razões por que se defende que as previsões utilizadas para o Orçamento [do Estado] nunca devem ser as dos governos, mas sim as das entidades independentes.
As agências de “rating”, pelo contrário, têm um enviesamento no sentido de serem mais cautelosas. Se fizerem uma melhora de "rating" baseadas num sobreoptimismo que depois não se verifica significa que perdem credibilidade. E, portanto, têm um enviesamento naturalmente mais pessimista. A sua reputação perde mais se forem generosos do que se forem excessivamente rigorosos. É da ordem das coisas. Não daria uma excessiva importância a isso.
A Moody’s tem uma perspectiva diferente também em relação ao défice.
Mais uma vez, não daria uma importância excessiva a isso. Não dava importância aos valores da previsão em si. A única coisa que há a retirar é que a Moody’s tem uma visão mais cautelosa do que a do Governo e, portanto, está empenhada em esperar para ver. Não toma à letra as previsões oficiais, lê-as com alguma desconfiança e isso influencia a sua análise da situação e a sua decisão. Agora não iria comparar se é mais uma décima, se é menos uma décima…
Normalmente, nos comentários mediáticos que se fazem sobre as previsões, desconsidera-se sempre uma coisa muito importante: as previsões nunca podem ser feitas em termos de ponto absoluto. As previsões são feitas em intervalos de confiança.
Não dava demasiada importância à décima em si. Dava mais ao sentido que estão afastadas.
Olivier Blanchard defende uma redução mais gradual do défice, admitindo até o aumento do défice usando o aumento da despesa para reformas estruturais. Concorda com esta orientação?
Olivier Blanchard é provavelmente dos economistas mais bem preparados, tem revelado uma grande humildade para reconhecer quando alguma opção é errada. E tem tido uma grande clarividência na análise, quer da situação decorrente da crise quer anteriormente à crise. Recordo que Olivier Blanchard foi provavelmente um dos primeiros economistas de renome internacional que avisou Portugal em 2005 que estava num caminho insustentável, que estava a perder competitividade e que isso ia ser problemático. Os poderes da altura não lhe ligaram e o resultado foi o que foi.
Olivier Blanchard chama a atenção para que nunca podemos olhar para os défices em si enquanto valor absoluto, mas à sua própria composição. Há determinadas despesas que podem ter um potencial reprodutivo e é mau cortá-las.
Há despesas que são importantes para reformas estruturais ou que são importantes para limpar o [crédito] malparado da banca – que é, na prática, uma outra reforma estrutural que tem um poder reprodutivo porque retira uma teia que existe sobre a própria situação económica. Mas isso também não desvaloriza que o efeito financeiro da soma das partes todas também tenha de ser contido. O que significa que é importante fazer escolhas, gastar naquilo que pode ter interesse e ser menos rigoroso em despesas que podem ter um interesse reprodutivo. Mas isso tem como contrapartida ser depois mais exigente nas outras despesas. Normalmente esse é o grande problema. A escolha que é feita é cortar nas primeiras para poder alargar mais as segundas; corta-se onde não se deve para expandir onde também não se deve.
É essa a chamada de atenção que ele faz. Porque obviamente depois também não é uma escolha livre do país ter um determinado défice, uma vez que isso depende das regras do processo de integração europeia. E essas regras aplicam-se ao saldo global e não às suas parcelas individuais.
É uma crítica à política seguida por este Governo?
Não tomaria isso só nesse ponto. É óbvio que é importante essa chamada de atenção – a de que deveria ser dada mais importâncias às reformas estruturais e, se for necessário, mais investimento para sustentar essas reformas estruturais. Agora, as preocupações de ter o défice sob controlo e sobretudo prevenir o crescimento da divida pública têm de ser atendidas. Mas insisto: na composição, acho que ele tem toda a razão.
A Comissão Europeia vai anunciar na segunda-feira se Portugal sai ou não do Procedimento por Défice Excessivo. Qual é a sua expectativa?
A minha expectativa é a de que sairá. Estas coisas têm uma componente que é técnica, mas que é também politica. E neste momento, o “mood” [estado de espírito] que se vive na Europa é de evitar crises desnecessárias ou evitar tensões. Há um esforço muito grande dentro da Europa – até por causa da sucessão de eleições que temos estado a viver – para não criar demasiada tensão politica dentro do espaço de integração europeia.
Dito isto, importa também dizer que, das eleições importantes que ainda estão por ocorrer, a mais importante será provavelmente a alemã, na medida em que as outras, sobretudo a francesa, já passaram. O impacto que estas coisas possam ter na opinião pública alemã volta a pesar mais do que pesou até às eleições francesas. Esse é o elemento de cautela que tem de ser visto na análise.