Foi chocante saber que mais de um terço dos pobres em Portugal são trabalhadores. A maioria até tem contratos de trabalho estáveis e salários certos ao fim do mês. O problema é que os salários são muito baixos.
É o que revela um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, agora divulgado.
Esses salários andam perto do salário mínimo. Não chegam para pagar as despesas de uma família, obrigando vários membros da família a trabalharem, se conseguirem emprego. Além do mais, esta situação representa um desincentivo à constituição de uma família e ao nascimento de filhos, que nascem cada vez menos em Portugal.
Refere o estudo “A Pobreza em Portugal – Trajetos e Quotidianos” que o problema é ainda agravado pela fragilidade da rede de segurança que o Estado proporciona.
Temos hoje trabalhadores mais qualificados do que no passado, decerto. Mas, lê-se no resumo que o “Público” de segunda-feira fez daquele estudo, “contrariamente ao que acontecia há alguns anos, ter um curso de nível superior já não é suficiente para assegurar a imunidade face a situações de pobreza.
Quase 5% dos indivíduos com curso superior encontravam-se em 2016 em situação de pobreza”. Claro que importa continuar a apostar na melhoria do nível de qualificação dos trabalhadores do sector privado e do sector público, que em Portugal ainda fica atrás das médias europeias.
Felizmente que a desvalorização social da escola e a resistência a frequentá-la são agora menores do que já foram. Mas é impossível fechar os olhos ao forte aumento do desemprego jovem qualificado.
Viu-se nos debates na concertação social sobre a subida do salário mínimo o receio de muitos empresários de unidades de pequena dimensão quanto a pagarem mais aos seus trabalhadores. Dizem eles, e é porventura verdade, que se o fizerem perderiam competitividade, arriscando-se à falência, o que significaria mais desemprego. Um dos nossos mais graves problemas económicos é a fraca produtividade. Mas a questão não se resolve com salários de miséria.
Em contrapartida, o semanário britânico “The Economist” traz-nos boas notícias sobre salários nos EUA e na UE mais desenvolvida.
O “Economist”, sendo uma publicação que defende a iniciativa privada e o mercado concorrencial, não ignorou que nas últimas décadas a remuneração do trabalho sofreu uma estagnação e, em certos casos, até uma baixa. Ao mesmo tempo, os ricos tornaram-se ainda mais ricos, para o que contribuíram impostos mais leves sobre os seus rendimentos e a sua riqueza.
A situação estará agora a mudar, invertendo-se – apesar da pandemia. O semanário aponta a rapidez com que os empregos aumentam à medida que a pandemia recua.
Nos EUA a taxa de desemprego estava perto dos 15% na primavera do ano passado; agora encontra-se nos 6%. E a perceção da opinião pública americana quanto à possibilidade de encontrar um emprego situa-se agora ao nível registado há cerca de sete anos.
Na Europa, apesar dos atrasos da “bazuca” e das incertezas da pandemia, diz o “Economist” que no mercado de trabalho as realidades superam as previsões.
Salienta o “Economist” que na OCDE (organização intergovernamental, com 37 países membros) o salário mínimo tem recentemente subido mais do que o salário médio. E aponta para a mudança na atitude de várias instituições face à remuneração do trabalho – os bancos centrais estão mais empenhados em promover o emprego do que em combater a inflação; e o FMI, um antigo defensor da austeridade, propôs impostos de solidariedade social sobre ricos e grandes empresas.
Por outro lado, o “Economist” dedica várias páginas aos efeitos dos progressos tecnológicos no emprego, desmentindo certas previsões catastrofistas. Em 1999 mais de metade dos assalariados nos EUA mostrava receios quanto à segurança do seu emprego; em 2019 cerca de dois terços dos trabalhadores americanos declararam-se totalmente satisfeitos com a segurança dos seus empregos.
Para a Alemanha existem indicadores semelhantes. E o Japão, um dos países do mundo onde mais avançou a automação, é também um dos que mais baixas taxas de desemprego apresenta.
O “Economist” considera que o progresso económico deve ser medido pela evolução do poder de compra dos salários médios e não pela trajetória dos lucros ou do preço das ações em bolsa. Muitos leitores habituais deste semanário terão ficado surpreendidos.
Esperemos que as boas notícias cheguem também ao nosso país. O que não acontecerá por milagre, mas com políticas públicas sensatas e empresários dignos desse nome.