“A ausência de estatísticas de corrupção dificulta o conhecimento da realidade deste crime”, afirma Joana Marques Vidal, antiga ex-procuradora-geral da República.
Em declarações à Renascença, no lançamento do congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que arranca esta sexta-feira, em Vilamoura, Joana Marques Vidal considera que o diagnóstico está feito e é consensual para todos os que trabalham no setor da justiça: é preciso investir da informatização e no tratamento de dados.
“A informatização é o grande desafio, aplicação de meios digitais e inteligência artificial na organização e funcionamento da justiça. É complexo. Não é só a desmaterialização do processo, mas saber usar os equipamentos na investigação criminal e também nas outras áreas de atuação do Ministério Público”, defende a magistrada.
Joana Marques Vidal responde assim à questão lançada pela Renascença: Que Ministério Público precisamos e que desafios deve enfrentar?
A magistrada considera que “deixa-se o papel e isso traz mecanismos importantes para apresentação de prova em julgamento”. A ferramenta estará concluída e falta apenas aplicá-la a todo o Ministério Público. Foi desenvolvida na PGR com fundos europeus, com o apoio do Ministério da Justiça.
“Tratar um inquérito em papel ou de forma digital é completamente diferente. O papel prejudica a celeridade e o cruzamento de informação. Tarefas que demoram mais tempo, ocupam mais gente e são mais caras e menos transparentes”, acrescenta.
"Investimento a sério”
Nestas declarações à Renascença, a procuradora jubilada adianta que tal “exige formação de técnicos e magistrados e o acompanhamento constante, investimento em assessoria técnica. Isso faz-se com investimento a sério”, não esquecendo a falta de magistrados e de funcionários, de “recursos humanos formados que consigam ser eficazes”.
A digitalização traria também consigo o acesso efetivo a números corretos. “Há queixas, e com razão, de que a estatística da justiça vai variando conforme departamentos e origens. Era importante que os números e as variáveis fossem uniformes, com critérios claros. Os números ajudam numa correta gestão e na possibilidade de estudo científico e académico do sistema de justiça.”
A antiga PGR dá mesmo um exemplo: “Em relação à estratégia anti-corrupção, no fundo sabemos muito pouco sobre qual a realidade desse tipo de criminalidade em Portugal e sabemos pouco porque há falta de informação, porque há falta de capacidade de recolha de números e tratamento dessa informação. Isso devia ser consequência de uma correta digitalização do sistema de justiça. Temos de apostar nisso. Porque senão somos completamente ultrapassados. Não conseguimos avançar.”
Joana Marques Vidal destaca a motivação dos magistrados como um dos pontos importantes. “Há que haver cuidado com a motivação e envolvimento dos magistrados no sistema de justiça, todos anseiam por um sistema mais eficaz, eficiente e reconhecido.”
Aponta ainda para a necessidade de reflexão interna sobre funcionamento da própria justiça. “Deve ser feita, habitualmente, pelos magistrados e hierarquia do Ministério Público. Porque disso resulta uma melhor investigação criminal”, sublinha.
Para a antiga procuradora-geral, importa olhar para o processo do princípio ao fim, desde a investigação até ao julgamento. Uma “visão integrada e global do processo” que, diz, “tenho a certeza que os magistrados o fazem com frequência.”
Por fim, aponta o desafio de concretização de uma melhor comunicação do sistema de justiça. “Foi absolvido, porquê e como? É importante que se consiga divulgar e tornar acessível ao cidadão comum as decisões dos tribunais e Ministério Público”, preconiza Joana Marques Vidal.