Inseminação pós-morte. Marcelo veta diploma por dúvidas sobre disposições sucessórias
22-04-2021 - 22:11
 • André Rodrigues com redação

Presidente teme que disposições possam gerar incerteza jurídica, indesejável numa matéria tão sensível. A lei da inseminação pós-morte regressa ao Parlamento.

O Presidente da República vetou o diploma da inseminação pós-morte. A informação consta de uma nota divulgada no site da Presidência da República.

Marcelo Rebelo de Sousa decide, assim, devolver ao Parlamento a lei para que sejam reconsideradas as disposições do direito sucessório.

Na fundamentação da decisão, o chefe de Estado esclarece que a inseminação pós-morte levanta “questões no plano do direito sucessório que o Decreto não prevê, uma vez que não é acompanhada da revisão, nem assegurada a sua articulação, com as disposições aplicáveis em sede do Código Civil, o que pode gerar incerteza jurídica, indesejável em matéria tão sensível”.

Em causa, segundo Marcelo, está “o caso de o dador querer, expressamente, manter o regime do Código Civil, em detrimento do consagrado no presente diploma, no quadro do superior interesse da criança – a criança concetura ou nascitura, mas também outras crianças já nascidas do mesmo progenitor”.

Por outro lado, prossegue o Presidente, o decreto “estabelece uma norma transitória, que determina que a possibilidade de inseminação post mortem com sémen do marido ou do unido de facto é aplicável aos casos em que, antes da entrada em vigor da lei, se verificou a existência de um projeto parental claramente consentido e estabelecido, sem que, para garantia da segurança jurídica, se assegure que foi livre, esclarecido, de forma expressa e por escrito, sem violação das disposições legais atualmente em vigor, e que o apuramento da existência desse projeto parental claramente consentido e estabelecido inclui a vontade inequívoca de abranger os seus efeitos sucessórios”.

Juízes católicos esperavam melhores argumentos de Marcelo

Pedro Vaz Patto, da Associação de Juizes Católicos, concorda com os argumentos apresentados pelo Presidente da República, para fundamentar a decisão do veto do diploma, mas lamenta que Marcelo não tenha recorrido a um argumento ainda mais forte.

"O que me parecia que justificaria o veto políticio seria o princípio de que a criança é gerada sem um pai. A criança deve ser gerada por si mesma e não para satisfazer o desejo de proteção da memória do pai", defendeu em entrevista à Renascença.


O projeto para incluir a inseminação pós-morte na legislação que regula a Procriação Medicamente Assistida (PMA) teve origem numa iniciativa legislativa de cidadãos e prevê que uma mulher que pretenda engravidar do marido que morreu, cujo sémen tenha sido preservado, pode fazê-lo no prazo máximo de três anos.

Na votação parlamentar do passado dia 25 de março, PS, BE, PCP, Verdes, PAN, Iniciativa Liberal e as duas deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira aprovaram o diploma.

PSD, CDS e Chega votaram contra e os deputados Euridíce Pereira, Bruno Aragão, Filipe Neto Brandão, Porfírio Silva e Fernando Anastácio (PS) abstiveram-se.