A Ordem dos Enfermeiros classificou, esta sexta-feira, como um "grande passo" a orientação da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a intervenção desses profissionais de saúde nos partos, salientando que passam agora a poder decidir o internamento de grávidas.
"Os enfermeiros, na verdade, já fazem há muitos anos 90% dos partos normais no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e muitos médicos internos aprendem a fazer partos com os enfermeiros especialistas. Mas os enfermeiros não podiam internar grávidas de baixo risco. Isso agora fica claro e é um grande passo", adiantou à Lusa a bastonária Ana Rita Cavaco.
Em causa está uma orientação da DGS sobre cuidados de saúde durante o trabalho de parto, que prevê que o internamento hospitalar, nas situações de baixo risco, "pode ser realizado por um médico de obstetrícia e ginecologia ou por um enfermeiro especialista em enfermagem de saúde materna e obstétrica (EEESMO)".
"Nos partos eutócicos [sem recurso a qualquer tipo de instrumento], o responsável pelo parto será preferencialmente um EEESMO, enquanto nos partos vaginais instrumentados será sempre um médico de obstetrícia e ginecologia", clarifica ainda o documento da DGS.
Esses procedimentos foram propostos pela Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia e Obstetrícia e Bloco de Partos, com o objetivo de uniformizar os cuidados de saúde hospitalares durante o trabalho de parto e de clarificar o papel dos vários profissionais de saúde. .
Apesar de a OE concordar com a orientação da DGS, Ana Rita Cavaco considera que "ainda não é o suficiente", alegando ser necessário concluir toda a regulamentação de uma diretiva comunitária de 1980 que "dá aos enfermeiros especialistas a possibilidade de exercerem todas as competências que têm".
"Em Portugal, essa diretiva foi transposta, mas a regulação não foi feita", adiantou a bastonária, para quem a aplicação na totalidade da diretiva comunitária permitiria que "não fossem precisos tantos médicos obstetras" nos hospitais.
"Temos de avançar para o resto, nomeadamente, para a criação dos centros de parto normal, que é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde e que não implica construir novos edifícios", referiu ainda a bastonária.
Segundo disse, esses centros permitiriam que a grávida, quando tem um parto de baixo risco, não necessitasse de ser acompanhada pelo obstetra, a não ser que se verificasse alguma complicação.
"Os chamados centros de parto normal, que funcionariam dentro dos serviços e das urgências de obstetrícia, baixavam muito o número de médicos obstetras que teriam de lá estar", assegurou a bastonária.
O presidente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, considerou também a orientação da DGS "um passo importante", alegando que os enfermeiros de saúde materna e obstétrica "têm qualificações e competências há muitos anos para acompanharem as grávidas e realizarem os partos normais".
"Aliás, isso já acontecia em muitas instituições no país e, em muito maior dimensão, no estrangeiro. O passo que foi dado é importante porque vem fixar numa norma da DGS essa possibilidade", adiantou José Carlos Martins.
De acordo com a OE, existem em Portugal cerca de 3.200 enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia.
Em 2022, vários serviços de urgência de obstetrícia e ginecologia e bloco de partos de vários pontos do país tiveram de encerrar por determinados períodos ou funcionaram com limitações, devido à dificuldade dos hospitais em completarem as escalas de serviço de médicos especialistas.
Já em dezembro, a direção executiva do SNS anunciou a partilha de recursos entre vários hospitais para garantir a normalidade dos serviços de urgência de ginecologia e obstetrícia durante os períodos de Natal e Ano Novo, um funcionamento em rede que ainda se mantém até final de maio.
Em junho de 2022, o Observatório de Violência Obstétrica lamentou a "total dependência" dos hospitais dos médicos especialistas, defendendo que deveria ser dada mais autonomia aos enfermeiros de saúde materna e obstetrícia no acompanhamento das grávidas.
"Os serviços são organizados com total dependência de médicos especialistas, ao invés de ser dada autonomia aos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia, o que resulta num total colapso do sistema de apoio às mulheres grávidas em todas as fases do seu acompanhamento", adiantou, na altura, o observatório em comunicado.