Portugal está em risco de perder cerca de três mil investigadores científicos. É o receio da Rede de Investigadores contra a Precariedade Cientifica. Em causa está a aplicação do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP).
Em entrevista à Renascença, Paulo Granjo, membro desta rede, explica que, de forma generalizada, os reitores das universidades deram orientações para que os investigadores não sejam considerados trabalhadores essenciais por falta de garantia de dotação orçamental para pagar os seus salários.
Em causa está também a aplicação do Decreto-Lei 57/2016 que pretende resolver a situação de precariedade dos bolseiros científicos, mas que, segundo Paulo Granjo, está a ser desvirtuado e a ser utilizado para contratar docentes em vez de investigadores ou para promover professores que já estão na carreira.
O mesmo responsável não tem dúvidas que está em cima da mesa o risco de “emigração massificada”, tal como aconteceu “no pico da crise”.
A Rede de Investigadores contra a Precariedade Cientifica já pediu por duas vezes a intervenção do Parlamento e, em Outubro, fez um último apelo urgente à Comissão de Trabalho e Segurança Social para tentar resolver a situação.
No âmbito do PREVPAP, investigadores estão a ser dados como funcionários permanentes e essenciais?
Varia um pouco de universidade para universidade. Nalgumas instituições as respostas à Comissão de Avaliação Bipartida do Ministério estão a ser dadas seriamente, avaliando de facto os casos e reconhecendo, quando é caso disso, o exercício de funções de necessidade permanente. Mas a maioria das situações, diria quase generalizada, é responderem que as pessoas não estão a cumprir funções permanentes, mesmo quando é evidente que sim. Há até situações onde é negado parte do histórico de relação contratual com a instituição, negando a existência de contratos que já foram feitos no passado e de vínculos que já existiram sucessivamente, prestando mesmo nalguns casos falsas declarações.
Com excepções, o quadro geral põe em causa a aplicação do próprio PREVPAP nas universidades portuguesas, particularmente aos investigadores, se algumas medidas não forem tomadas.
E a aplicação do decreto lei que pretendia ser uma resposta ao emprego científico, como está a correr?
Em muitíssimas universidades está a ser feita uma tentativa de desvio dos objectivos deste decreto-lei para, em vez de contratar investigadores, utilizar-se o financiamento para a contratação de professores. Por exemplo, no Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa, estamos a assistir, ao lançamento de concursos que são claramente para progressão na carreira, vão ser ganhos por pessoas que já são professores, substituindo os concursos que deviam ser feitos para as pessoas que agora são bolseiras para passarem a ser contratadas a prazo. Há essa grave distorção e várias reitorias têm dado a indicação, por vezes pública, de que não querem contratar investigadores, querem contratar é professores.
Se os cientistas ficarem à margem do PREVPAP e do decreto-lei 57, isso não é deitar fora anos de investimento na ciência e nos cérebros que têm vindo a trabalhar em Portugal?
É um desperdício. A manutenção das pessoas numa situação de precariedade, mesmo com contrato, é um enorme desperdício de recursos quer dos investimentos feitos, quer da capacidade instalada porque não se trata só de ter mais massa crítica. As instituições cientificas precisam de ter gente com competências específicas diferentes que, em conjunto, tenham a capacidade de resolver problemas novos e as instituições científicas têm também necessidade de se reproduzir no tempo, com um mínimo de estabilidade na passagem geracional e isso é totalmente posto em causa pela precariedade generalizada que existe. É também posto em causa pela pressão que põe nas pessoas que têm de andar sempre a pensar onde é que vão arranjar emprego a seguir quando acabar a situação precária em que estão em vez de estarem totalmente a dedicar-se à investigação cientifica em todo o tempo.
Boicotar o PREVPAP na ciência, boicotar a aplicação do decreto lei 57 é por tudo isso um enorme desperdício e corresponde a ter vistas muito curtas relativamente às necessidades das próprias instituições científicas.
E Portugal corre o risco de ficar sem estes investigadores?
O que estes dois mecanismos pretendem é criar um maior grau de estabilidade no sistema científico e com eles foi criada uma expectativa enorme de que a situação de incerteza permanente dos cientistas iria ser ultrapassada. Se estes instrumentos não forem aproveitados por boicotes governativos, por boicotes de reitorias, o que se passa é que, paradoxalmente, acabamos por ter que voltar á situação do pico da crise em que a única solução para as pessoas era emigrar. Até porque, ao longo dos anos desenvolveram capacidade que são apreciadas em qualquer lugar do mundo, têm a possibilidade de procurar emprego noutros país que estão interessados em receber pessoas altamente qualificadas e especializadas que Portugal é que esteve a pagar a sua formação. Esse risco de emigração massificada está claramente em cima da mesa.
Fizeram uma exposição ao Parlamento, à Comissão de Trabalho e Segurança Socia por causa do PREVPAP. O que pretendem?
Nós pretendemos resolver um problema perfeitamente fulcral para a aplicação prática do PREVPAP nas universidades. O que se passa é que na proposta de lei não é dito, explicitamente, que ao contratarem investigadores ou professores ao abrigo do reconhecimento por parte do PREVPAP que as pessoas devem estar na carreira e não numa situação precária, que essas contratações serão pagas através de um aumento das transferências do Orçamento do Estado. Isto coloca-se nas universidades e não se coloca noutros lados porque as universidades têm autonomia financeira. Diversos reitores estão a dar indicação de que, a menos que esteja claro na lei que as contratações vão ser pagas por reforços do Orçamento do Estado, as instituições devem dar indicação de que as pessoas não cumprem funções de necessidade permanente. E se for considerado que as pessoas não cumprem funções de necessidade permanente pela Comissão Bipartida que analisa os casos, isso quer dizer que as pessoas não são integradas no PREVPAP e perdem o direito a ter um contrato definitivo, por muito que na prática e na realidade cumpram todas as funções para serem abrangidas.
O que pedimos à Assembleia da República, como já pedimos em Julho e em Setembro, é que explicite essa responsabilidade financeira do governo no articulado final da lei. Fazemos esse apelo “in extremis” à 10ª Comissão enquanto ainda está a votar as alterações à lei. Se essa alteração não for feita, o que a Assembleia da República fará na prática é, por omissão, decidir que os investigadores científicos serão excluídos do PREVPAP.
Qual é que foi a resposta que tiveram até agora?
Fizemos o apelo por escrito em Julho, voltámos a colocar a questão em Setembro quando tivemos uma audição parlamentar no âmbito da discussão pública do PREVPAP. De facto, espanta-nos muito esta situação porque todos os grupos parlamentares se mostraram sensibilizados para o problema e para a necessidade de o resolver. Ninguém nos disse que estávamos errados. Pelo contrário, no mínimo disseram-nos que iriam dar o máximo de atenção à resolução deste problema.
Quantos são os investigadores que pediram para ser integrados nos quadros do Estado?
São cerca de três mil os investigadores que requereram a apreciação do seu caso no PREVPAP. Entre estes estão, por exemplo, os investigadores dos laboratórios associados, os investigadores FCT, e também aqueles bolseiros crónicos, aquelas pessoas que asseguram na mesma instituição há muitos anos, 20,15, 10 anos as mesmas funções e que vão passando de um tipo de vínculo para outro, exactamente porque são sempre necessários.