O antigo ministro social-democrata Nuno Morais Sarmento diz não entender o comportamento do anterior Governo na gestão do caso Banif. É uma das perplexidades expressas pelo comentador do programa “Falar Claro” da Renascença, quando instado a comentar a resolução do banco.
“Só soubemos agora que tivemos seis ou sete ou oito planos [de reestruturação] apresentados. E isto aconteceu ao longo de um ano. Não percebo esta opacidade, não percebo o que o Governo fez ou não fez. A ex-ministra das Finanças [Maria Luís Albuquerque] disse que não sabia de nada. Apresentar dois planos, compreende-se. Apresentar seis planos, das duas três: ou o examinador tem má vontade ou o examinando é melhor ir repetir a matéria de vez. Ou isto significa uma absoluta incompetência da administração de Jorge Tomé ou então há aqui qualquer coisa que nos tem de ser explicado, porque não se conhece outro caso”, comenta Nuno Morais Sarmento.
O antigo governante do PSD assinala que o Estado tinha uma “posição recuada “ no Banif quando se limitou a nomear um administrador não-executivo para o banco.
“Mais incompreensível é que o dono do banco não se interesse sobre o banco e do banco diga nada saber. O dono do banco é o Estado, através do Ministério das Finanças. A senhora ministra [Maria Luís Albuquerque] disse que sabia de pouco, o administrador não executivo de nada sabe e eu pergunto: não há história de muitas empresas em que os accionistas não conheçam o que se lá passa e deixam aquilo entregue a terceiros”, complementa Morais Sarmento, que sublinha o seu sentimento de “estranheza”, que não pode ser de crítica ou aplauso “enquanto não tivermos os factos todos”.
Um buraco anormal
O socialista José Vera Jardim mostra-se incrédulo em relação a uma perda potencial para os contribuintes da ordem dos 3 mil milhões de euros.
“É uma coisa fora da norma tendo em conta a dimensão do banco. O que é que sucede aqui? Aqueles activos do Banif não valiam nada? Diziam que valiam milhões e valiam zero? “, questiona o antigo ministro da Justiça.
As perplexidades expostas por Nuno Morais Sarmento estendem-se ao comportamento do Banco de Portugal e da troika.
“Até pelo alerta que o caso BES representa, não é crível para ninguém que o supervisor não tivesse – e se não tinha, tinha obrigação de ter – um conhecimento mais próximo e um acompanhamento muito próximo nesta fase do sector bancário. Também nos fica a perplexidade da troika, que por cá andou a ver tanta coisa, analisou tanta coisa, tantos técnicos, tantas pessoas inteligentes para Portugal e ninguém percebeu a situação do nosso sector financeiro”, critica Morais Sarmento, que diz ter sempre mantido reservas à escolha de Jorge Tomé para presidente executivo do Banif.
Sarmento sublinha que Tomé não era um homem de banca comercial. “Se puserem o Ronaldo a jogar basquetebol, não é por ele ser Ronaldo que passa a jogar bem basquetebol”, exemplifica.
Silêncios e garantias
O buraco é grande e contrasta com o valor pago pelo Santander pelo Banif, glosado pelo socialista Vera Jardim. “150 Milhões? Talvez, se tivesse sabido, teria ido com o doutor Morais Sarmento pedir um empréstimo e comprávamos o Banif”.
Vera Jardim lembra que a compra do banco inclui garantias – “compra-se nenhum passivo, está todo assegurado “ – na aquisição de um banco “com uma actividade limitada dentro do sector financeiro mas com uma presença activa nos Açores e na Madeira, com mais de 200 balcões em Portugal”.
Sobre a origem e natureza especialmente insular do Banif, Morais Sarmento deixa uma farpa ao governo regional dos Açores, liderado pelo socialista Vasco Cordeiro.
“O que é estranho é que o Governo dos Açores está calado. Isso é que eu não percebo, porque isto é um problema que afecta mais os Açores do que a Madeira. Parece que o assunto não lhes toca. Não vimos nota pública das diligências do governo dos Açores”, denuncia Morais Sarmento.
O social-democrata diz não entender o “processo acelerado” de resolução do Banif.
“Porventura, existirá uma razão porque é que não foi feito meses antes, num calendário que não fosse um calendário de sufoco. Se eu estou a vender numa situação de sufoco, a mensagem que eu estou a passar é de que a situação é desesperada. Para lá do valor baixar, tem uma segunda consequência: É o pânico nos clientes do banco. Não se percebe e não se percebe a dimensão. Três mil milhões são quase o valor necessário injectar no BES, que era o maior banco privado do sistema”, insiste o antigo governante do PSD.
Integrar na CGD não era solução
O socialista Vera Jardim manifesta reservas em relação à solução alternativa pensada pelo primeiro-ministro, António Costa, e pelo ministro das Finanças, Mário Centeno.
“A integração na Caixa Geral de Depósitos não aconteceria sem prejuízos. Se há 3 mil milhões a menos e se a CGD também precisa de ser capitalizada, não tenhamos ilusões sobre essa solução. Não havia nenhuma boa solução. A quinze dias de se tomar conhecimento da questão e ter que a resolver, é muito difícil tomar qualquer boa solução. Qualquer português percebe que quem vende qualquer coisa ‘com a corda na garganta’ , vende a pataco”, argumenta Vera Jardim.
Por seu lado, Morais Sarmento assinala o peso das palavras de António Costa sobre o sistema financeiro proferidas antes das eleições legislativas.
“O primeiro momento de descapitalização do banco acontece a seguir às declarações de António Costa. E ver-se-á agora quando os dados forem públicos. Estou a associar declarações públicas feitas, porventura, com alguma precipitação e sem ter os dados ou a consciência da consequência do que estava a dizer. Declarações públicas feitas pelo agora primeiro-ministro que foram a primeira sinalização pública de desconfiança por parte de responsáveis políticos quanto à situação do banco”, explica o antigo ministro do PSD.
Sim à auditoria externa
Ambos os comentadores defendem a realização de uma auditoria externa independente, “um processo de avaliação técnica, feita por técnicos, sobre a situação do banco, a actual e a anterior, que depois se desenvolvem processos criminais ou cíveis, consoante a natureza” das conclusões”, nas palavras de Nuno Morais Sarmento.
“[É preciso] uma auditoria externa independente para que possamos vir a saber o que se passou no Banif, o que explica este imenso buraco de cerca de 3 mil milhões de euros e a forma como o banco foi vendido”, complementa Vera Jardim no “Falar Claro” da Renascença.
Morais Sarmento e Vera Jardim distinguem a auditoria externa de uma comissão parlamentar de inquérito que, para o social-democrata, “ é uma exposição mediática e uma espécie de passerelle mediática na Assembleia da República, com transmissão televisiva para cada um de nós do que lá se vai passando”.