Quatro de outubro, dia de São Francisco de Assis, foi a data escolhida para a publicação da nova exortação apostólica "Laudate Deum" (Louvai a Deus). No documento o Papa lamenta que não se esteja a reagir “de modo satisfatório” à crise climática, e diz que o mundo “está a desmoronar e talvez a aproximar-se de um ponto de rutura”.
Em entrevista à Renascença, o padre Tony Neves, missionário espiritano e jornalista, que acompanha de perto estas temáticas, fala da oportunidade do documento se conhecido a tempo da próxima cimeira do clima, que vai decorrer no Dubai.
Que novidades destaca deste novo documento do Papa?
"Laudate Deum", ou "Louvai a Deus", esta exortação apostólica do Papa Francisco tem como primeira novidade o facto de ser uma exortação apostólica e não uma encíclica, como foi a "Laudato Si", e tem também como novidade o querer confirmar em absoluto as afirmações e convicções que estavam expressas já em 2015, na "Laudato Si".
O Papa fala do maltratado planeta, que apesar de tudo é a nossa casa comum, e apresenta as alterações climáticas como um dos principais desafios, talvez o maior, que a sociedade e a comunidade global têm que enfrentar.
Claro que há muita gente que não aceita, o grupo dos negacionistas é forte e é atacante, mas acho que a ciência explica, e os dados objetivos também, que as mudanças climáticas estão aí e estão para ficar. Parecem já irreversíveis algumas das consequências dramáticas destas alterações, e há que fazer alguma coisa.
O Papa diz de uma forma muito clara que tudo está interligado e ninguém se salva sozinho…
E faz uma crítica clara ao paradigma tecnocrático, que considera o maior responsável por termos chegado onde chegamos, e pede que haja fé também nisto, acreditar que a criação de Deus e é sagrada e a Terra é a nossa casa comum que temos de proteger. Insiste, mais uma vez, na relação entre a ecologia e os mais pobres, o melhor do mundo são as pessoas, são as pessoas pobres que é urgente defender, e ao contrário do que muitos dizem que mudar, combater as energias fósseis é criar desemprego à toa e criar problemas, não, neste momento a situação dramática em que vivem muitas pessoas que são vítimas já destas alterações climáticas provam que já está a acontecer. O povo está a sofrer muito, é preciso mudar e estamos num momento decisivo. Temos que mudar.
Depois há também uma novidade que é a contestação da forma como o mundo tem gerido estas coisas e as sucessivas COP, as conferências do clima, têm decidido coisas interessantes, mas não têm conseguido levar à prática.
E acho que é que é uma escolha óbvia do Papa Francisco publicar este documento neste 4 de Outubro porque estamos a poucos meses da grande COP que vai ter lugar no Dubai, ainda por cima num país que tem tanto, tanto petróleo, tantas energias fósseis, mas ao mesmo tempo está a fazer algum esforço para avançar para energias limpas. Por isso, acho que todas essas coisas são fundamentais e, sobretudo, o Papa insiste: é a luz da fé que as questões climáticas se podem resolver, porque termina assim: ‘um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo’.
O documento é uma espécie de “parte II” da "Laudato Si"? Mostra que a crise climática é uma preocupação central do Papa?
Sim, "Laudato Deum" é claramente a segunda parte da "Laudato Si". O Papa diz isso, que oito anos depois era preciso fazer um ponto de situação, e é isso mesmo que o Papa faz. O Papa diz que todas as preocupações presentes na "Laudato Si" avolumaram-se, e oito anos depois o mundo dá razão à "Laudato Si".
E ajudará a desbloquear a situação de algum impasse e de quase inação política a que assistimos, com a pandemia e as guerras a servirem de justificação para não se fazer mais em defesa do planeta?
As preocupações ecológicas têm que ser tomadas cada vez mais a sério, a comunidade internacional, com as suas estruturas de decisão, não está a resolver, o multiculturalismo tem de ser redesenhado, diz o Papa. Depois, aqueles que estão contra estão a criar obstáculos e estão claramente do lado dos ricos e interessados, quando é preciso estar do lado dos pobres que são vítimas de todas essas alterações climáticas.
Estamos num ponto que pode ser um ponto sem retorno, as calotas polares estão a derreter, temos cada vez mais tempestades de todas as espécies, com grandes chuvas, mas ao mesmo tempo grandes secas. Isso tem a ver com alterações climáticas e a ciência di-lo de forma clara.
Agora, muita expectativa em relação à próxima Conferência do Dubai, porque aí têm de tomar decisões que ajudem a resolver o problema ecológico. Daí que eu acho que este documento é fundamental e os governos têm de o levar a sério. E também as pessoas são convidadas a ter um estilo de vida mais simples, mais ecológico, mais sustentável. Há mudanças de comportamento que têm de acontecer se queremos que a Terra seja a nossa casa e seja protegida, se queremos que haja futuro para o nosso planeta.