Maria Armanda Lage tem 80 anos. É doente oncológica. Está na Unidade de Cuidados Paliativos de Vila Pouca de Aguiar, do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Está sentada no cadeirão do quarto. Bem-disposta, recebe-nos com um sorriso no rosto. Após os cumprimentos iniciais, começa por dizer que se sente bem e que ali “as pessoas são todas atenciosas e muito cuidadosas”.
Questionada sobre a possibilidade de ter o marido por perto, como ajuda à recuperação, Maria Armanda responde sorridente e em tom incisivo: “Ele dorme aqui. A senhora doutora faz o favor de pôr aqui a cama para ele dormir comigo. Comigo não! Na cama ao lado!”, brinca.
É quase como se estivessem em casa. “Acompanha-me sempre. E, desde que eu estou doente, mais ainda. Tenho mesmo necessidade do apoio dele.”
Jorge Lage, de 84 anos, permanece ao lado da esposa 24 horas por dia. Na unidade, como em casa, é o apoio, o ombro amigo.
“Estou a acompanhá-la porque ela sem mim não é nada. Precisa de mim muitas vezes, de noite, para se levantar. Se eu não estiver, ela não faz nada. Está habituada a que eu a acarinhe, que eu trate com ela e ela comigo. Não se pode ver livre de mim.”
Jorge Lage refere a importância de poder estar junto da esposa debilitada, “porque moraliza muito o doente” e porque “o doente está mais à vontade com um familiar”.
Não muito longe, num outro quarto, está Joaquim Sequeira, 78 anos, a acompanhar a esposa Leopoldina Moreira, de 75 anos. “Sou de longe, da Régua, e o dinheiro é pouco para as viagens. Para ir e vir e comer alguma coisa é um dinheirão. A reforma não dá porque nem chega aos trezentos euros”, lamenta.
As dificuldades económicas são minimizadas pela possibilidade que a Unidade de Cuidados Paliativos de Vila Pouca de Aguiar concede a Joaquim de “estar mais perto de quem se ama”.
“Desta forma a pessoa doente sente-se mais confortada e o familiar sente-se mais tranquilo, sobretudo nesta fase terminal em que ela [a esposa] sofre muito, porque tem um cancro nos intestinos.”
O papel da família “quando a doença induz muito sofrimento”
Na Unidade de Cuidados Paliativos de Vila Pouca de Aguiar as famílias podem acompanhar os doentes 24 horas por dia.
“Podem dormir aqui, podem fazer as refeições por tempo indeterminado, enquanto o doente estiver aqui, podem participar nos cuidados ao doente e isso é muito importante. Podem acompanhar o doente em passeios que desejem fazer fora da unidade, desde que tenham condições clínicas para que isso possa ser feito em segurança”, explica a coordenadora da unidade, Anabela Morais.
A médica considera que “a família é fulcral nesta fase de vida, quando a doença induz muito sofrimento, muita dependência, quando se perspectiva um fim de vida”. Mais: “A família é a grande âncora emocional, a grande âncora dos afectos do doente”.
“Quando um doente está em fase final de vida, [a família] é que tem interesse, é aquilo que é relevante. Não podíamos de forma alguma esquecer isso e privar os doentes dessa componente”, conclui.
E a aprendizagem que a família faz durante a permanência na unidade também “facilita o regresso do doente a casa”.
O objectivo central dos cuidados não é a doença, mas o doente
A unidade de cuidados paliativos de Vila Pouca de Aguiar tem 12 camas. Acolhe doentes terminais ou com doenças crónicas incapacitantes. Trata-se de um serviço que pretende dar uma melhor qualidade de vida aos doentes e às famílias.
Anabela Morais explica que os doentes com indicação para virem para esta unidade de cuidados paliativos “não são só os que estão em fase final de vida” ou “aqueles que necessitam de um suporte para terem um fim de vida digno, sem sofrimento, com o mínimo de conforto”, mas “todos os que não estando em fase final de vida beneficiam de um controlo eficaz do seu sofrimento, que muitas vezes extravasa a dimensão física”.
“O objectivo central dos nossos cuidados não é a doença. O objectivo central dos nossos cuidados é o doente”, enfatiza.
E para isso trabalha uma equipa multidisciplinar constituída por vinte e quatro profissionais. “Somos internistas com formação em medicina paliativa, dois psicólogos, um nutricionista, uma assistente social, um orientador espiritual e a equipa de enfermagem”.
E ao assistente espiritual, neste caso o padre António Paulo, cabe um papel muito importante não só junto do doente, mas também dos familiares, “dando algum conforto, celebrando o sacramento da unção dos doentes e também ajudando a família a lidar com estas situações”.
Para o sacerdote, é fundamental “as pessoas terem esta assistência física, no tratamento da dor, mas também serem acompanhadas até ao limite de uma forma espiritual”.
O acompanhamento espiritual “consegue reaproximar alguns laços que estavam quebrados, reconciliar, unir e estabelecer pontes”, contribuindo para “recentrar o valor da vida e da pessoa naquilo que ela é, na sua essência”.
“É mais do que um trabalho pastoral. É reconhecer verdadeiramente e recolocar no centro a pessoa humana e a vida da pessoa humana”, sublinha o sacerdote.