As famílias portuguesas poderiam poupar no mínimo 400 euros por ano, se o Governo português eliminasse o IVA sobre os bens alimentares essenciais, tal como fez Espanha. As contas são do antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio.
A subida dos preços dos alimentos é superior a 20%, um valor bem acima da inflação geral que está nos 9,6%. É uma realidade excecional que requer medidas excecionais, defende o antigo secretário de Estado.
“Esta seria uma medida que seria aplicada a todas as famílias, mas teria um impacto fundamental nas famílias com menores rendimentos, porque os bens essenciais, como a alimentação, têm um peso maior no seu orçamento familiar e, por isso, esta medida seria muito importante. A aplicação da taxa zero de IVA nos bens alimentares essenciais permitiria poupar entre 400 e 500 euros por ano”, argumenta, em declarações ao programa Em Nome da Lei, emitido aos sábados, ao meio-dia, na Renascença.
Por isso, pergunta Paulo Núncio: “De que é que está à espera António Costa?”. O secretário de Estado do Governo de Passos Coelho contesta a argumentação de Fernando Medina. O ministro das Finanças diz que o valor do IVA que o Estado deixaria de cobrar ia acabar nos bolsos dos comerciantes.
A receita fiscal aumentou 18%, por comparação com o mesmo período do ano passado. Núncio diz que se o Estado fosse uma empresa, seria alvo da tributação extraordinária sobre os lucros excessivos uma vez que metade da receita resulta do efeito da inflação sobre as cobranças de IVA.
“Até novembro, o Estado já tinha arrecadado mais de 7 mil milhões de euros do que em igual período do ano passado. A arrecadação fiscal está a crescer cerca de 18% face ao ano de 2021. E uma grande parte desse aumento tem exatamente a ver com o IVA. E por causa do efeito da inflação, porque a inflação provoca um aumento dos preços base, o imposto designadamente os impostos indiretos, impostos sobre o consumo, e em particular o IVA, tendem a crescer de uma forma exponencial. O IVA está a crescer mais de 3 mil milhões de euros face a igual período do ano passado”, assinala.
Nestas declarações à Renascença, Paulo Núncio diz não acreditar nas previsões do governador do Banco de Portugal, que defende que no final do ano a inflação estará nos 3%. O fiscalista defende que a subida dos preços não é um fenómeno transitório, veio para ficar, por isso é tão importante ajudar as famílias, com a taxa zero sobre os bens alimentares
Mas seria assim tão fácil eliminar o IVA dos bens essenciais? As opiniões dividem-se.
O professor na Faculdade de Direito de Coimbra, Xavier de Basto duvida da eficácia da medida, porque também acha que o diferencial do IVA ficaria nos bolsos dos comerciantes. O fiscalista defende que se abriria uma caixa de Pandora, com a aplicação do IVA zero sobre os produtos alimentares.
“É muito difícil depois de baixar uma taxa voltar a subi-la. E além disso, dá um efeito de contágio. Se começar a fazer taxas zero para determinados produtos, depois a coisa vai contagiar. Vai-se encontrar sempre fáceis razões para a estender a outros produtos.”
Já outro fiscalista, Samuel Fernandes de Almeida defende que a experiência portuguesa é exatamente a contrária, aumentado um imposto, o difícil é baixá-lo. E dá como exemplo a subida do IVA em 2011, sobre o gás e a eletricidade, dos 6 para os 23%.
“A tradição portuguesa é exatamente o inverso. Depois de subir é que é difícil baixar. E, portanto, se nós olharmos precisamente o que aconteceu, por exemplo, no IVA, sobre a eletricidade e sobre o gás, é uma medida extraordinária adotada em 2011, num cenário de intervenção por parte da Troika e de 2011 a 2022, 23, neste caso, nunca mais se repôs”, observa.
O advogado fiscalista Samuel Fernandes de Almeida diz que o Estado devolveu aos portugueses uma bagatela da receita extraordinária que recebeu em resultado da inflação.
”Pelas minhas contas, pela execução orçamental, aquilo que se deu aos portugueses ascende a pouco mais de 700 milhões de euros de apoios diretos, quando temos uma cobrança excecional de mais de 3 mil milhões de euros.”
A eliminação do IVA sobre os bens alimentares tem sido reivindicada pela DECO, sob o argumento de que a medida faria uma grande diferença na vida das famílias com rendimentos mais baixos e mesmo nas da classe média baixa. Isto porque aquilo em que as famílias, por regra, mais começam a cortar é na alimentação, revela Natália Nunes.
"Pedem ajuda à DECO famílias com 1.500 euros de rendimento líquido que estão com muita dificuldade em suportar todos os encargos que assumiram e nomeadamente em pagar a fatura do supermercado. E por isso entendemos que os produtos essenciais deveriam estar temporariamente isentos de IVA.”
A jurista da DECO revela que algumas dessas famílias já estão a pedir ajuda a instituições de solidariedade. Divididas entre pagar a mensalidade ao banco ou a renda da casa e a conta do supermercado, acabam por cortar no que põem na mesa.
”Nos orçamentos das famílias é por um lado a casa, a renda ou a prestação ao banco ,e a parte do supermercado, da alimentação, que absorvem mais rendimentos. Mas também verificamos que quando existem dificuldades uma das primeiras verbas a ser reduzida é a alimentação. E também pelo testemunho das famílias temos constatado que algumas estão a recorrer a algum apoio, nomeadamente das paróquias ,para conseguirem honrar os outros compromissos.”
São declarações ao programa Em Nome da Lei, da jornalista Marina Pimentel, transmitido aos sábados ao meio-dia na Renascença e disponível nas habituais plataformas de podcast.