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Os caretos de Podence juntaram-se à lista do Património da Humanidade feito em Portugal. Uma lista com sítios, monumentos, música, comida, atividades e objetos tradicionais.
A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) aprovou, esta quinta-feira, a classificação das “Festas de Inverno Carnaval de Podence” como Património Cultural Imaterial da Humanidade.
“É uma grande alegria, muito orgulho ver chegar o dia que Podence e os caretos de Podence são reconhecidos como Património Cultural Imaterial da Humanidade. É algo de inédito, é uma sensação inexplicável. É um dia para ficar para sempre na história dos caretos de Podence e, no meu caso, é um dia inesquecível”, afirma à Renascença o presidente da Associação dos Caretos de Podence.
Ainda com a voz embargada pela emoção, António Carneiro, o grande impulsionador da tradição, agora Património da Humanidade, diz não ter “palavras para explicar a sensação” que lhe “vai na alma” pelo reconhecimento atribuído aos caretos de Podence, à comunidade de Podence e a muita gente que ajudou a chegar a este patamar”.
E é a partir de Bogotá que dirige “um obrigado a todos e um bem-haja a todos. É uma alegria enorme. E um abraço para todos aquelas pessoas que nos ajudaram”.
Para o presidente da Câmara de Macedo de Cavaleiros, Benjamim Rodrigues, o título alcançado é motivo de “festa para todos os macedences, para todos os transmontanos, para todos os amantes das festas de inverno e das festas tradicionais de mascarados”.
“Estamos muito felizes, muito orgulhosos. Acima de tudo, há que parabenizar todas as pessoas envolvidas neste projeto. Foi uma equipa muito coesa, muito profissional e muito dedicada”, diz o autarca à Renascença, salientando o “trabalho fantástico” realizado pela associação dos caretos ao longo dos últimos anos, “ajudando a preservar estes costumes e tradições e, acima de tudo, transformá-los, mantendo a sua genuinidade, mas dando-lhe um ar de modernidade”.
“Estamos muito felizes, obviamente, e é um orgulho para toda a nação macedence e para todo o território de Trás-os-Montes”, remata.
A festa faz-se em Bogotá, na Colômbia, mas, sobretudo, em Podence, terra de caretos e tradições.
As ruas há muito se engalanaram para a celebração e das fachadas de várias casas sobressam imponentes murais com motivos alusivos aos caretos e ao entrudo chocalheiro.
Miguel Malta tem um restaurante na aldeia, é careto e não esconde a alegria pela classificação que considera ser “o reconhecimento da história e da tradição da terra”.
“Os caretos são a alma da aldeia, dos nossos antepassados e da história de Podence. É muito importante para o concelho e para o distrito esta classificação, pois vai trazer mais gente e, acima de tudo, vai ajudar a preservar a tradição”, diz à Renascença.
Carlos Batista não é de Podence, mas acompanha frequentemente os mascarados. Vive e sente os caretos que “significam algo transversal àquilo que podemos imaginar”, porque, diz, “há toda uma mística que já vem de muito de trás e não conseguimos encontrar uma definição simples e direta para aquilo que são os caretos”.
“É um sentimento, uma folia e, acima de tudo, é o extravasar um pouco aquilo que é o banal e o que é a vida quotidiana”, conclui.
Quanto à conquista do estatuto de Património da Humanidade, Carlos afirma que “é especialíssimo, porque ser Património Imaterial da Humanidade é uma responsabilidade enorme, é um orgulho imenso e, sem ser tendencioso, é extremamente merecido”.
“Os caretos de Podence são uma marca que ao longo dos anos vem abrindo algumas portas de toda a região e com este selo da UNESCO poderá e deverá ser um portão aberto para o desenvolvimento da região a nível económico, social e cultural”, defende este natural de Macedo de Cavaleiros.
“Escalamos uma montanha, mas virão outras para serem escaladas”
O presidente da Associação Grupo de Caretos de Podence, António Carneiro, diz que, alcançado o objetivo da classificação, é preciso agora cumprir o plano de salvaguarda e isso vai implicar, por exemplo, a criação de algumas infraestruturas. E nesse sentido deixa o repto através da Renascença.
“Faço o repto ao município de Macedo de Cavaleiros, que também tem uma grande responsabilidade em criar condições a nível logístico de tudo o que seja necessário para receber quem nos visita de uma forma digna. E nós somos transmontanos, recebemos bem e queremos receber ainda melhor”, apela.
E que género de infraestruturas? Perguntamos. António Carneiro avança que está “a pensar alto, a pensar num edifício que possa agregar todas as festividades da região” e esclarece que “para isso temos a porta aberta de um grande arquiteto que é Souto de Moura que se disponibilizou a dar-nos o apoio para construir essa nova infraestrutura, que será a casa dos caretos do Nordeste Transmontano”.
“A candidatura dos caretos de Podence pretende agregar tudo o que são as festas de inverno relacionadas com os rituais da máscara”, esclarece o representante dos caretos, acrescentando que a infraestrutura a construir “é essa a porta aberta, é um desafio grande e vamos tentar que seja uma concretização”.
“Escalamos uma montanha, mas virão outras para ser escaladas. É isso que nos move e é essa a dinâmica que temos”, observa.
O autarca de Macedo de Cavaleiros reconhece que o município tem, agora, responsabilidade acrescidas, e promete continuar a trabalhar “na proximidade e numa relação muito estreita com as instituições que são diretamente responsáveis por manter estas tradições”.
“Da nossa parte a disponibilidade é total e o investimento total nas pessoas, nas infraestruturas e, acima de tudo, na qualidade da preservação desta tradição que é secular”, garante Benjamim Rodrigues.
Tradição milenar
Há quem diga que remonta à época pré-romana e encerra as festividades de inverno no Nordeste Transmontano.
O careto incarna uma personagem diabólica. Os homens que podem correr e saltar vestem fatos de caretos, feitos de colchas com franjas compridas de lã, em tons de amarelo, verde e vermelho, e juntam-se em grupos por tudo que é sítio.
As máscaras são feitas de couro, madeira ou de vulgar latão e têm uma forma rudimentar. São vermelhas, verdes, amarelas ou pretas, com o nariz pontiagudo, o que lhes confere um aspeto diabólico. É por detrás da máscara que se preserva o anonimato destas figuras misteriosas, imunes a tudo e ao tempo.
Os caretos irrompem frenéticos pelo meio do povo, com ruidosos chocalhos presos à cintura. Apoiados em pau de madeira de freixo ou castanheiro, que lhes serve de apoio quando saltam, não dão sossego a ninguém. Afastam os homens e chocalham as mulheres.
O chocalhar consiste numa dança em que o careto agarra a mulher e abana a anca, batendo nesta com os chocalhos que traz à cintura.
Ser careto é um ritual obrigatório de todas as gerações de homens da terra. E a tradição será perpetuada pelos descendentes dos caretos, os facanitos, que estão a aderir cada vez mais ao entrudo chocalheiro.