O primeiro-ministro, António Costa, diz que o impacto do aumento dos juros nos créditos à habitação está a ser acompanhado pelo Governo e deve ser encarado sem dramatismo, mas pediu prudência na atuação do Banco Central Europeu (BCE).
Costa esteve na manhã desta segunda-feira cerca de 40 minutos a responder as questões de jornalistas, depois de ter participado na abertura do Fórum das Competências Digitais, uma conferência que decorre no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE).
Dessas declarações destaca-se a reacção às críticas feitas pelo PSD e, em particular, pelo eurodeputado Paulo Rangel, sobre o acordo para as interconexões ibéricas de gás e hidrogénio verde, firmado entre Portugal, Espanha e França.
Mas um dos assuntos levantados pela Comunicação Social foi a da subida das taxas de juros, tendo o chefe do Governo procurado um discurso tranquilizador.
“Temos estado a acompanhar muito proximamente com o Banco de Portugal e com a Associação Portuguesa de Bancos a evolução do crédito e o Orçamento do Estado para 2023 tem uma medida específica que permite o aumento da liquidez das famílias que tenham créditos de habitação em ativos, já que essas famílias podem requer a redução de um escalão na retenção na fonte do IRS”, afirmou, quando questionado sobre medidas do Governo para ajudar as famílias com créditos à habitação, numa conjuntura de alta das taxas de juro.
De acordo com António Costa, por parte dos bancos, tem-se também verificado uma clara vontade de encontrar por via negocial com os clientes “as melhores formas de acomodarem o impacto da subida das taxas de juro”, e referiu que já no período da pandemia houve tensão em torno desta questão dos créditos à habitação e o problema “foi ultrapassado” igualmente por negociação.
“Vamos aprovar um diploma que favorece essa negociação e elimina os custos associados a essa negociação. Portanto, acho que devemos encarar sem dramatismo a situação que estamos a viver”, defendeu.
Segundo o líder do executivo, a política de “normalização” das taxas de juros pelo BCE apontará para uma estabilização de longo prazo das taxas de referência na casa dos dois por cento.
“Não é desejável que a taxa de juro suba tanto [até aos 3%] e o BCE deve ser bastante prudente na subida das taxas de juro para controlar a inflação. Entendemos que esta inflação resulta menos de haver uma grande massa monetária em circulação (e uma grande afluência nos rendimentos das pessoas) e mais de uma causa importada e bem conhecida que é a guerra da Rússia contra a Ucrânia – uma guerra que agravou a rutura nas cadeias de abastecimento e introduziu o facto acrescido de uma crise energética”, apontou.
Ou seja, para António Costa, “não é com subida das taxas de juro que se combate a inflação”.
“O BCE deve ser prudente no exercício do mecanismo do aumento das taxas de juro, mas deve haver consciência de que as taxas variáveis estão numa tendência crescente. A convicção que tenho é que entre o Banco de Portugal, a Associação Portuguesa de Bancos e os mecanismos que o Governo dispõe será possível evitar que esta evolução das taxas de juro tenha consequências dramáticas”, sustentou.
O primeiro-ministro salientou logo a seguir que as famílias, com taxas de juro variáveis, em termos de curto prazo, “vão pagar mais pelo seu crédito”.
“Temos de manter essa evolução sem que haja uma situação de crise social, de perda da habitação, porque o direito à habitação é um direito fundamental das famílias e que é necessário assegurar e proteger”, acrescentou.
Concertação. “CGTP-IN tem por regra nunca assinar acordos”
Num outro plano, o primeiro-ministro desdramatizou o facto de a CGTP-IN não assinar o acordo sobre evolução salarial e de carreiras na administração pública até 2026, dizendo que esta central sindical tem por regra nunca assinar qualquer acordo.
“Claro que o Governo gostaria muito que a CGTP-IN tivesse assinado este acordo, mas, como é sabido, a CGTP-IN tem por regra não assinar os acordos. Já não assinou o acordo de médio prazo em sede de concertação social e também não assina este”, disse.
A seguir, o líder do executivo registou que, “pela primeira vez, em muitos anos, foi possível entre Governo e parceiros sociais assinar não só um acordo de médio prazo para o setor privado, como, também, um acordo plurianual de valorização salarial e das carreiras no setor público”.
“Atribuo particular importância ao facto de haver um acordo sobre as carreiras gerais da administração pública”, acrescentou.
Ferrovia. Costa quer comboios nacionais na futura linha de alta velocidade
Sobre a ferrovia, o primeiro-ministro afirmou que há vontade política no Governo para que os comboios da futura linha de alta velocidade entre Lisboa e Vigo sejam nacionais, mas advertiu que Portugal cumpre as regras da União Europeia.
Questionado se há a possibilidade de a futura ligação ferroviária de alta velocidade ser exclusivamente operada por comboios espanhóis, respondeu assim: “Ninguém está mais apostado em diminuir esse risco e garantir que os comboios de alta velocidade sejam portugueses do que o Governo”.
O líder do executivo lembrou que Portugal aderiu à União Europeia em 1986 e, como tal, está sujeito às regras relacionadas com o mercado único, com a concorrência e com a contratação pública.
“Portanto, temos vontade política, mas também temos a obrigação de cumprir as limitações impostas pela legalidade”, frisou.
De acordo com António Costa, nas regras europeias há uma separação clara entre o monopólio natural, que é a infraestrutura, e o serviço de transporte, que pode ser assegurado em concorrência.
“Em Portugal, temos linhas em que o serviço não é assegurado pela CP, mas por um operador privado que ganhou o concurso à CP. Esse modelo de a infraestrutura ser aberta à circulação de múltiplas composições é um dado hoje do mercado único europeu”, referiu.
Neste contexto, referiu que Portugal decidiu ter uma estratégia para o setor ferroviário que não se limita ao investimento em infraestrutura, mas também na reconstrução de um cluster ferroviário.
“Temos uma verdadeira política industrial para dotar o país das oportunidades e da capacidade de produzir ele próprio as composições que vai utilizar”, acrescentou.
Digital. Investir nas competências digitais é “absolutamente crítico”
Na de abertura do Fórum das Competências Digitais, o primeiro-ministro considerou “absolutamente crítico” o investimento na melhoria das competências digitais dos cidadãos de todas as gerações, advertindo que o não acesso a estes conhecimentos tecnológicos será em breve a grande causa de desigualdades sociais.
No seu discurso, o primeiro-ministro considerou que, por força da pandemia da covid-19 e dos confinamentos, houve “um curso intensivo” sobre o digital e “a revelação de que se conseguia fazer muitíssimo mais do que alguma vez se pensava em relação à utilização dos equipamentos digitais.
“Por isso, investir nas competências digitais é absolutamente crítico, porque verdadeiramente o novo grande risco para a igualdade de oportunidades e para a igualdade nas nossas sociedades são aqueles que ficam do lado de fora”, advertiu.
Para António Costa, neste domínio, o objetivo cimeiro é “não deixar ninguém para trás”.
“Este é um desafio não só para as novas gerações, mas para todas as gerações. É é porventura o desafio onde a solidariedade intergeracional é mais difícil de alcançar e, por isso, é também aquele onde mais temos de investir”, sustentou.
Costa acusa IL de competir com Chega “no lamaçal”
No contexto da política nacional, António Costa diz perceber a saída de Cotrim Figueiredo da liderança da Iniciativa Liberal (IL), acusando esta força política de competir com o Chega na má educação democrática e no estilo de luta livre no lamaçal.
O deputado João Cotrim Figueiredo anunciou no domingo que vai abandonar a liderança deste partido. Para o primeiro-ministro, a saída de João Cotrim Figueiredo “é natural” face à atual situação da Iniciativa Liberal.
“A Iniciativa Liberal, como já percebemos, decidiu passar a competir com o Chega no estilo de truculência e má educação democrática como intervém no debate público. E percebo que o doutor João Cotrim Figueiredo não se sentisse à-vontade nesse estilo de luta livre no meio do lamaçal. Conheço-o bem, admito que não se sinta bem, foi uma opção estratégica que a Iniciativa Liberal fez e, não sei porquê, a direita democrática em Portugal tem um fascínio pelo Chega”, observou.
De acordo com o líder do executivo, a direita democrática, “em vez de se demarcar do Chega para afirmar a sua identidade, tem a voragem de normalizar e conviver com o Chega e de imitar o Chega”.
“Deviam olhar para Itália e ver o que acontece quando os partidos da direita democrática começam a normalizar a extrema-direita. Quando isso acontece acabam a ser liderados pela extrema-direita. Portanto, bom futuro [para os partidos da direita democrática] e continuem com essa estratégia que vão longe”, declarou, aqui numa observação irónica.
António Costa referiu-se ainda ao desempenho da liberal Liz Truss enquanto primeira-ministra do Reino Unido.
“Em quatro dias desvalorizou a libra e obrigou o Banco de Inglaterra a fazer uma subida extraordinária das taxas de juro e a ir resgatar quatro ou cinco fundos privados de pensões. Ela própria acabou demitida pelo seu próprio partido. Por isso, percebo que a Iniciativa Liberal se sinta hoje muitíssimo embaraçada com este espetáculo, numa demonstração prática do que seria a IL a governar em Portugal”, disse.
Em 44 dias, no Reino Unido, na perspetiva do primeiro-ministro, se destruíram “dois mitos da Iniciativa Liberal: O mito do choque fiscal, que foi uma tragédia para a libra e para a credibilidade externa do Reino Unido, e o mito de um sistema de Segurança Social baseado em fundos privados que logo na primeira aflição têm de ser resgatados pelo dinheiro público injetado pelo Banco de Inglaterra”.
Para António Costa, a recente situação no Reino Unido, com a queda de Liz Truss, representou para a Iniciativa Liberal o mesmo que “os comunistas sentiram com a queda do Muro de Berlim”.
Perante os jornalistas, António Costa recusou-se a comentar os elogios feitos pelo chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, ao seu antecessor no cargo, Pedro Passos Coelho, dizendo que tem tido a prudência “de nunca falar e de respeitar” quem o antecedeu no cargo de primeiro-ministro.
“Com idade que tem, com certeza que [Pedro Passos Coelho] ainda tem muito para dar ao país. Nós não damos só ao país quando estamos no exercício de cargos políticos – e digo com todo o à-vontade de se saber que eu o doutor Passos Coelho raras vezes coincidimos sobre o mesmo ponto de vista relativamente àquilo que é melhor para o país”, acrescentou.