Como veem os jovens a Igreja? O que os preocupa mais? Um inquérito online, lançado no início de fevereiro pelo Ponto SJ – o Portal de comunicação dos Jesuítas – , e que decorreu até 23 de março, foi respondido por 612 jovens dos 18 aos 35 anos, de 100 localidades do país. A larga maioria - 78 % - tem alguma ligação à Igreja, o que leva o padre Duarte Rosado, da Pastoral Juvenil dos Jesuítas, a sublinhar à Renascença que os resultados devem ser lidos tendo isso em conta.
Sobre ‘O que está bem na Igreja?’, as respostas mostram que os jovens reconhecem o papel social que desempenha, e valorizam poderem participar e pertencer à comunidade. “Veem isso como uma coisa boa, o que me surpreende, porque vivemos num tempo em que que a comunidade é algo menos forte, menos vivido, e a resposta mais referida ter sido o sentido de comunidade, denota quase uma necessidade da fé de ser vivida com outros”, afirma aquele responsável.
A maioria considera que a Igreja os ajuda a tomar boas decisões, a conhecerem-se melhor, a aprofundar a fé e a lidar com as preocupações relacionadas com o futuro, o que inclui a vida familiar e a vocação. Mas, quando se pergunta se os ‘ajuda a viver saudavelmente a afetividade e a sexualidade?’, as respostas já se dividiram muito, com 36% a dizerem que os ajuda 'pouco ou nada'. De resto, no ponto ‘O que está mal na Igreja, ou poderia ser diferente?’, a maioria indicou a questão da proximidade, desejam ser mais acompanhados e envolvidos, pedem “maior abertura” (aos jovens, à discussão e à realidade), e maior acolhimento das pessoas homossexuais.
“Há um contraste entre a consciência de que a Igreja é uma coisa boa para a maioria destes jovens, mas ao mesmo tempo existe também este lado crítico de poder pensar a Igreja, e eu acho isso muito bom”, porque afinal “tudo é pensável, e não pensar é impôr fronteiras ao Espírito”, sublinha o responsável pela Pastoral Juvenil inaciana, para quem não devia haver temas tabu e a Igreja devia refletir sobre os alertas que constituem muitas das respostas dadas neste inquérito.
Um desses alertas tem a ver com a moral sexual, sobre a qual a Igreja continua a não saber falar. “Existe uma forma de olhar para isto que é quase 'preto ou branco': ou somos anjos ou somos do piorio e fazemos coisas péssimas. Mas, como existe um caminho de crescimento na fé e um caminho de crescimento humano, também existe um caminho de crescimento moral. Ou seja, a moral não é causa do encontro com Jesus, é consequência desse encontro”.
“Muitas vezes isto é abordado quase como se não houvesse caminho a fazer, como se a moral fosse quase critério único para a salvação: fazes isto estás salvo, não fazes isto, já foste! Mas, Jesus encontra-me onde estou, como estou, independentemente da minha vida moral ser boa ou má, e é a partir desse encontro que posso viver e fazer um caminho de vida moral, porque se é ao contrário partimos de uma frustração de base", afirma Duarte Rosado.
Para Duarte Rosado, o inquérito mostra que estas são questões que preocupam, de facto, os mais novos, e que por isso não podem ser ignoradas. “A moral sexual é algo em que os jovens pensam muito, põem muitas dúvidas e questões. Existe uma moral da Igreja, que é uma espécie de ideal muito bonito e exigente, mas a Igreja não sabe falar sobre isso, mas tem de aprender a falar, mesmo a sério. Em relação à moral toda, mas sobretudo à moral sexual”.
Também em relação ao acolhimento dos homossexuais há reflexão a fazer. “Devia haver mais acolhimento”, indicam os jovens no inquérito. Para Duarte Rosado “o que existe faz pouco sentido, na verdade, porque acolher a proposta de vida na Igreja, mas depois forçar um celibato é uma coisa muito dura. E, como acho que não há coisas que não possam ser pensadas, faço a pergunta: faz sentido essa proposta da Igreja?”.
“É uma questão difícil e acho que a Igreja – nós todos – devíamos pensar seriamente nisto, porque a proposta do celibato (para os homossexuais) não é adequada. Não é uma proposta exequível, na verdade. E se continuamos a insistir numa lei que não tem correspondência prática na vida, que ninguém cumpre… isto é um problema”.
O sacerdote lembra que “os jovens hoje em dia já lidam com este tema com mais naturalidade, e isso reflete-se também aqui neste inquérito”, onde defendem também que deve ser dada mais participação aos leigos e, entre estes, às mulheres.
“Felizmente o Papa Francisco já está a dar passos muito concretos e práticos nesse sentido”, nomeadamente com a nova Constituição da Cúria, que prevê que os leigos possam aceder a cargos de topo nos dicastérios. Mas, a mudança pode não ser fácil, diz, porque “há várias formas de ver e olhar a Igreja, muitas sensibilidades".
"Não sei se toda a gente está contente com isto da sinodalidade”, refere ainda, aplaudindo a realização do Sínodo cuja preparação está a decorrer. “Toda a gente pode ter uma voz neste processo”, sublinha o sacerdote, que espera que dê "frutos visíveis, concretos e reais”, nomeadamente quanto ao modelo de Igreja que hoje existe, paroquial, que “está a falir” e “a solução não é encontrar e recrutar padres à força. Espero que toque neste ponto, de ver como é que a Igreja se pode organizar, que novas formas há de evangelizar”.
Os resultados do Inquérito aos jovens sobre a Igreja vão ser enviados ao Vaticano como contributo para o Sínodo, mas a Companhia de Jesus já está a promover outras consultas ao nível das comunidades inacianas em Portugal, com esse mesmo objetivo.