Restrição de direitos das pessoas com deficiência decorrente da crise e relatos de maus-tratos nas prisões, onde continuam inadequadas as condições prisionais, são as principais críticas a Portugal do último relatório da Amnistia Internacional (AI).
No documento, divulgado esta quarta-feira, é apontado outro problema: "persiste a discriminação das comunidades ciganas".
O relatório "O Estado dos Direitos Humanos no Mundo" 2016/17 faz um resumo sobre a situação mundial em 2016 e traça os desafios e expectativas para este ano. Tem mais de 400 páginas mas apenas duas sobre Portugal e mesmo assim assinalando tantas conquistas como críticas.
No documento assinala-se que Portugal "continuou a não garantir que os crimes de ódio fossem proibidos por lei, e não tinha criado um sistema nacional de recolha de dados sobre os crimes de ódio".
E lembra que em Abril o Comité das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pediu a Portugal que revisse as medidas de austeridade, que reduziram os serviços disponibilizados às pessoas portadoras de deficiência "e que conduziram muitas delas à pobreza ou à pobreza extrema".
Citando a Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância os responsáveis pelo documento dizem também que, conforme relatório de Junho, Portugal não tinha desenvolvido na totalidade as medidas que tinham sido recomendadas em 2013 para diminuir o racismo e a discriminação contra as comunidades ciganas.
"Ocorreram denúncias de uso desnecessário ou excessivo da força pelos agentes encarregues de aplicar a lei. Em Outubro, de acordo com um relatório de uma organização não-governamental portuguesa, 13 presos foram espancados por guardas prisionais durante a inspecção das respectivas celas na Prisão da Carregueira, em Lisboa. Pelo menos três deles precisaram de receber tratamento hospitalar", diz-se ainda no documento.
E acrescenta-se que as condições prisionais permaneceram inadequadas e que "em algumas prisões eram degradantes", havendo "falta de higiene, má qualidade da comida, falta de cuidados médicos e de acesso a medicamentos".
No relatório lembra-se também novas leis sobre direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais, e novas leis sobre direitos sexuais e reprodutivos e sobre violência contra mulheres e raparigas.
Sobre refugiados e migrantes o documento dá conta do desalojamento de quatro famílias de migrantes em Outubro passado pela Câmara da Amadora.
Mundo tornou-se "mais sombrio e mais instável"
A Amnistia alerta que as "políticas de demonização" estão a alimentar a divisão e o medo a nível global, com um perigoso risco de efeito de dominó por parte de países poderosos que fizeram recuos preocupantes nos compromissos de direitos humanos.
"Para milhões [de pessoas], 2016 foi um ano de implacável miséria e medo, com governos e grupos armados a atentar contra os direitos humanos numa multitude de formas. Grande parte da mais populosa cidade da Síria, Alepo, foi massacrada em ataques aéreos e batalhas nas ruas até ficar em pó", notou o secretário-geral da Amnistia Internacional (AI), Salil Shetty, nas primeiras linhas do prólogo do relatório anual da organização relativo a 2016.
A perspectiva da AI, no entanto, é que o ano de 2017 venha a ser ainda pior.
"É provável que qualquer narrativa abrangente que procure explicar os eventos turbulentos do ano passado fique aquém do necessário. Mas a realidade é que começamos 2017 num mundo profundamente instável, cheio de trepidação e incerteza quanto ao futuro", adiantou Salil Shetty.
Um dos mais preocupantes desenvolvimentos de 2016, explica o responsável da AI, foi o resultado "de um novo acordo oferecido pelos governos ao povo - que promete segurança e desenvolvimento económico em troca de ceder os direitos de participação e liberdades cívicas".
O documento avalia 159 países em termos de direitos humanos. E diz que a "retórica tóxica" de políticos, como o novo Presidente norte-americano, Donald Trump, criou um mundo mais dividido e mais perigoso.