Aida Sigharian nasceu em Teerão há 40 anos. Nessa altura, o governo do aiatola Khomeini, saído da revolução islâmica de 1979, era ainda relativamente jovem.
A ativista residente no Porto, que recentemente cofundou a Mithra, uma associação de iranianos a viver em Portugal, recorda em entrevista à Renascença como a capital do seu país era um local "muito bonito", rodeado de montanhas resplandecentes, bem diferente do aglomerado de edifícios cinzentos em que se transformou atualmente.
Mesmo vivendo em Portugal há 15 anos e estando fora do seu país natal há 23, Aida observa à distância a evolução do seu querido Irão, país aonde também faz visitas frequentes.
Não são só as pessoas que estão a sofrer com a teocracia xiita, sublinha. “São as mulheres, os homens e também é a natureza”, diz em entrevista à Renascença.
Entre outros problemas, Teerão é hoje uma capital atingida pela poluição, que ainda recentemente teve de fechar as suas escolas devido à deterioração da qualidade do ar.
Contudo, o efeito mais perverso do regime dirigido por Ali Khamenei é a violência exercida sobre a população e em particular sobre as mulheres, em nome do fundamentalismo islâmico.
Nas últimas semanas, o governo iraniano tem vindo a preparar um pacote de medidas legislativas que pretendem aumentar a repressão sobre as mulheres que recusem usar o "hijab".
Para as mulheres que sejam encontradas, em locais públicos, sem o tradicional véu que lhes cobre o cabelo e funciona como símbolo de castidade e submissão, as novas regras preveem penas até 10 anos de prisão, um número de chibatadas que pode chegar às 60 e a aplicação de multas.
Um grupo de especialistas da ONU já veio expressar, em finais de agosto, “grande preocupação” relativamente a este novo pacote legislativo, que classificou de “apartheid de género, uma vez que as autoridades parecem estar a governar através de discriminação sistémica com a intenção de reprimir mulheres e raparigas até à submissão total”, pode ler-se no site de notícias das Nações Unidas.
Para Aida Sigharian, esta iniciativa legislativa é um sinal de que as autoridades iranianas “têm muito medo e que o regime está a cair”.
Segundo a luso-iraniana, é também clara a relação entre esta decisão mais recente de aumentar a repressão sobre as mulheres e a onda de protestos que alastrou por todo o país depois da morte de Mahsa Amini, há cerca de um ano, quando a mulher de origem curda se encontrava detida pela polícia por má utilização do "hijab".
“O governo agora está a tentar fazer tudo para parar este movimento”, pois “não esperavam que tantas pessoas mostrassem que tinham raiva e que queriam mudanças”, afirma.
Uma teocracia que é também uma gerontocracia
Depois da morte de Amini foram para as ruas sobretudo os jovens, muito deles adolescentes e com uma grande base de apoio no meio universitário.
“Há anos que a universidade em Teerão é politizada. Antes da revolução [islâmica] foram muito ativos e depois da revolução continuaram a ter grande capacidade de organização”.
Nos últimos meses, porém, refere a ativista, nota-se um alastramento do descontentamento a outras camadas da população.
“O país está a viver problemas económicos e há muitos protestos relacionados com as reformas. A população chegou à conclusão que este governo tem de cair.”
Para Aida, no quadro atual, o governo mostra pouca ou nenhuma capacidade de se regenerar. “Há anos pensámos que haveria alguma maneira de mudar este regime. Agora, 44 anos depois sabemos que não existem mudanças dentro do sistema. Já não existem pessoas liberais no regime. Mesmo as pessoas do movimento verde, de há dez anos, chegaram à conclusão de que não era possível mudar o regime e já não querem mudar nada”, afirma.
Os atuais dirigentes “estão velhos”, acrescenta ainda. O líder supremo, Khamenei, tem 84 anos. Ahmad Jannati, um dos principais clérigos do país, tem 97. “O governo já não representa as pessoas”, defende Aida.
Mas será que os protestos iniciados depois da morte de Amini podem conduzir a uma mudança efetiva do sistema? “O grande problema deste movimento é que até agora não conseguimos construir uma oposição forte”, e a solução para muitos jovens é mesmo emigrar, como ela própria fez há uns anos.
Daí também ter criado a Mithra, para "ajudar a integrar os iranianos que chegam ao Porto e mostrar a cultura iraniana aos portugueses".
“Sei que há muitos que estão a tentar emigrar agora, neste momento. A emigração está a crescer. Nunca foi assim. Com tantas pessoas a querer sair”, garante Aida.
É difícil de prever se voltaremos a assistir, em breve, a uma onda de protestos como a que aconteceu há um ano, no Irão. Entre outubro e dezembro, morreram centenas de pessoas e muitos milhares foram presos, alguns dos quais acabaram por ser condenados à pena de morte por terem afrontado o regime.
“Mudar este regime é muito difícil, mas já pagámos muito, não podemos desistir”, diz Aida. “A situação vai ficar muito pior, mas agora não é possível parar”.