O poder agressivo, destrutivo e incontrolado de governos autoritários como o da Rússia, a repressão no Afeganistão e o Irão e as atrocidades na Etiópia estão entre as várias ameaças aos direitos humanos em todo o mundo, de acordo com o relatório anual da Human Rights Watch (HRW).
A organização internacional não governamental voltada para a investigação e denúncia de abusos de poder e violações de direitos concretiza, num documento de mais de 700 páginas, as conclusões da análise dos vários cenários em mais de cem países ao longo de 2022.
As conclusões apontam para a brutalidade extrema dos conflitos que dominaram a atualidade nos últimos meses – a agressão russa na Ucrânia a liderar – e em paralelo olha também para as injustiças cometidas em cenários de menor atenção mediática, como os regimes ditatoriais do Sudão e Birmânia, apelando ainda a uma análise das consequências da crise climática a partir de uma perspetiva de direitos humanos.
A seguir o resumo de alguns dos casos mais preocupantes de violações dos direitos humanos ao longo do ano passado, segundo a Human Rights Watch (HRW)
Crimes contra a Humanidade cometidos pela Rússia
A HRW denuncia os “crimes contra a Humanidade” cometidos pela Rússia, na sua agressão contra a Ucrânia, a causarem danos “devastadores” nos “ataques a civis”. A organização indica que a Rússia terá cometido crimes de guerra com tortura e execuções sumárias de civis, “levando a cabo ataques indiscriminados em zonas civis e atacando infraestruturas de energia e ao deixar milhões de pessoas sem eletricidade”.
A Human Rights Watch acusa a Rússia de cometer abusos terríveis na Ucrânia, com um desprezo absoluto pela vida de civis. Desde a invasão russa a 24 de fevereiro, as forças russas estiveram implicadas em numerosas violações das leis de guerra configurando eventuais crimes de guerra e crimes contra a Humanidade.
Num plano mais geral, a HRW considera que a intensa mobilização internacional em defesa dos direitos humanos desde a invasão russa na Ucrânia deve ser “replicada” em outros cenários onde esses direitos são violados.
Com este pano de fundo, a HRW elogia a rapidez com que o Tribunal Penal Internacional (TPI) foi chamado a investigar e com que a União Europeia, os Estados Unidos, o Reino Unido e outros governos aplicaram sanções à Rússia. No relatório, a organização insta os governos a “replicar o melhor da resposta internacional na Ucrânia” e “ampliar a vontade política para enfrentar outras crises” noutros cenários turbulentos.
Repressão no Irão
A utilização de força excessiva e letal na repressão dos protestos no Irão, o encarceramento de milhares de pessoas sem acusações formais e a emissão de sentenças de morte em juízos sumários e “injustos” marcaram o ano no Irão, segundo a HRW.
A morte em setembro da jovem Mahsa Amini, sob custódia da polícia da moral pública por não envergar bem o véu obrigatório desencadeou uma vaga de protestos “maioritariamente pacíficos” que, de acordo com a HRW foram reprimidas com “armas de assalto militar”.
Até novembro, grupos de defesa dos direitos humanos investigavam a morte de, pelo menos, 341 manifestantes, incluindo 52 crianças. O regime de Teerão sentenciou já 16 pessoas à pena de morte e executou 4 manifestantes, apesar dos apelos da comunidade internacional para anular as decisões obtidas em julgamentos à porta fechada e, em muitos casos, sem advogados presentes.
Desprestígio da democracia brasileira
A HRW culpa “campanha de descrédito” com a divulgação de alegações infundadas de fraude eleitoral por parte do círculo próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro a alentar os recentes atos golpistas de apoiantes em Brasília.
Para a organização, a polícia e a justiça devem investigar não só os autores dos atos de violência, mas também quem os incitaram e financiaram, de acordo com declarações da diretora interina para as Américas.
Por seu turno, a Amnistia Internacional Brasil emitiu um comunicado em que “exige investigações rápidas, imparciais e efetivas conduzidas pelas instituições competentes para não fique nenhum ato ilegal por investigar”.
Direitos das mulheres no Afeganistão
A condição das mulheres no Afeganistão sofreu grave deterioração depois da chegada o movimento talibã ao poder, aplicando proibições que impede o acesso de meninas e adolescentes a níveis intermédios de educação bem como a patamares superiores como o ensino superior. O novo regime também impede o acesso das mulheres ao mundo do trabalho, aplicando ainda duras regras de liberdade social.
Desde que assumiram o poder em agosto de 2021, os talibans impuseram “regras que negam às mulheres e meninas os seus direitos básicos e esmagam a dissidência política”. A decomposição dos direitos fundamentais e liberdades, que afeta em particular as mulheres e a liberdade de expressão, está a aumentar, enquanto o país enfrenta uma grave crise humanitária.
Restrições extremas na Coreia do Norte
O regime da Coreia do Norte continuou a recorrer à pandemia como argumento para “ativar restrições extremas e desnecessárias sobre liberdades básicas” que vieram aumentar o isolamento e crise humanitária num país encerrado ao mundo desde 2020.
O documento da HRW relembra que apesar da insegurança alimentar e das deficiências sanitárias enfrentadas pela população, o regime ditatorial norte-coreano continuou focado em desenvolver o seu programa nuclear e de mísseis de longo alcance, levando a cabo um número record de testes militares ao longo do ano.
A organização também sublinha que o regime garante o seu poder através de encarceramentos arbitrários, torturas, execuções e trabalhos forçados” e que mantém ativa uma rede de campos de prisioneiros políticos, campos conhecidos como ‘kwanliso’.
Abusos em Myanmar
A HRW renova o alerta de que a junta militar que se alcandorou ao poder no golpe de fevereiro de 2021 tem vindo a intensificar as arbitrariedades e apela aos países vizinhos na adoção de uma resposta comum à crise.
As forças de segurança de Myanmar, é indicado no relatório, têm estado implicadas em assassinatos coletivos, detenções ilegais, tortura, ataques a civis em zonas de conflito, além de condicionar enormemente a distribuição de ajuda humanitária às comunidades em risco.
A Human Rights Watch recorre a números divulgados por uma ONG de Nepiedó para indicar que desde o golpe as forças de segurança procederam à detenção de mais de 16 mil ativistas pró-democracia e assassinado, pelo menos, 2300 pessoas.