A proposta de lei do Governo para tornar obrigatória a utilização da aplicação Stayaway Covid não tem qualquer eficácia e é de “duvidosa constitucionalidade”. É a opinião de Luís Marques Guedes, presidente da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, que, em declarações à Renascença arrasa a proposta entregue no Parlamento na quarta-feira à noite.
Marques Guedes começa por separar os dois pontos da proposta. Em primeiro lugar, a questão de obrigatoriedade do uso de máscara, mesmo no espaço público. “Não só faz sentido como tem todas as condições de exequibilidade. Portanto, se for aprovado na lei, como espero e acho, do ponto de vista pessoal, já tarda, nessa parte a lei faz todo o sentido e é fácil a fiscalização por parte das autoridades”, diz Marques Guedes.
De acordo com a proposta de lei, a fiscalização das medidas propostas compete à Guarda Nacional Republicana, à Polícia de Segurança Pública, à Polícia Marítima e às polícias municipais.
Já a fiscalização do uso da aplicação, que a proposta remete para as mesmas autoridades, é de “duvidosa constitucionalidade”.
Mas, ainda antes de se colocar a questão da fiscalização, Marques Guedes coloca a questão da eficácia da lei. “Para ter qualquer condição de eficácia seria necessário que houvesse uma obrigação legal, que não faz sentido nenhum, de as pessoas andarem com telemóvel. Mesmo as pessoas que têm telemóvel podem não andar com telemóvel, podem deixá-lo em casa. Não há nenhuma obrigação legal para que ande no dia a dia com telemóvel”, afirma o deputado do PSD e ex-ministro.
“Para obrigar as pessoas a andar com telemóvel, o Estado tinha de fornecer um telemóvel a cada cidadão, o que é completamente impraticável”, acrescenta Marques Guedes, que também realça que o Governo não propõe que o uso da aplicação seja obrigatório em espaços públicos, o que também reduz qualquer eficácia que a medida poderia ter.
A proposta do Governo pretende tornar obrigatória “no contexto laboral ou equiparado, escolar e académico, a utilização da aplicação Stayaway Covid pelos possuidores de equipamento que a permita”. E tenta também reforçar essa obrigatoriedade para “os trabalhadores em funções públicas, funcionários e agentes da Administração Pública, incluindo o setor empresarial do Estado, regional e local, profissionais das Forças Armadas e de forças de segurança”.
Para além da eficácia da obrigatoriedade, a fiscalização afigura-se ainda mais problemática porque seria preciso suspender direitos individuais para permitir que as forças policiais pudessem ter acesso aos telemóveis dos cidadãos sem um processo em curso e mandado judicial.
“Essa matéria é de muito duvidosa constitucionalidade, sem intervenção de uma autoridade judicial porque mexe com a reserva da vida privada, mas a proposta de lei é completamente omissa”, afirma Marques Guedes, que reforça: “Nessa questão também se colchoa um problema sério da eficácia da proposta de lei do Governo porque não se vê como é que é possível que haja qualquer tipo de fiscalização sem haver a manipulação por parte de um terceiro de um telemóvel dos cidadãos, o que é uma coisa impensável.”
No fundo de todas estas questões, está também a questão de se tratar ou não de uma medida proporcional e que justifique limites á liberdade e à reserva da intimidade da vida pessoal. Esses princípios foram tidos em conta quando foi feita a lei que cria a aplicação e essa própria lei seria violada com a eventual aprovação da obrigatoriedade do seu uso.
“Quando foi aprovada – a meu ver tarde - a possibilidade de utilização desta aplicação ficou claro, para toda a gente e todas as entidades que s pronunciaram, que isto fazia todo o sentido numa fase de anonimato e de voluntariado. Ou seja, tem de ser sempre uma medida voluntária porque não se pode impor aos cidadãos este tipo de restrição relativamente à sua vida privada e à sua intimidade. Aqui, não só se deita fora esse carater voluntário como até aparentemente se pretende dar poderes de autoridade de fiscalização que são bastante intrusivos relativamente a essa intimidade”, explica Marques Guedes.
“Acho que se está a ir completamente longe de mais”, conclui o presidente da comissão que vai fazer a primeira avaliação desta proposta. E que considera que ela é, em primeiro lugar, “a confissão de um rotundo falhanço do rastreio por parte das autoridades de saúde”.