Entrevista a Diogo Lacerda Machado:
- "Estou à disposição para prolongar contrato" com o Estado
- Governo "tem condições para chegar ao fim da legislatura"
- "Sabemos que o sistema financeiro ainda não está bem"
O Governo, através do seu negociador Diogo Lacerda Machado, está a tentar que o Santander apresente uma nova proposta aos lesados do Banif.
Lacerda Machado, negociador em nome do Governo no caso dos lesados do Banco Espírito Santo, revela que já falou com os representantes dos lesados do Santander e com o banco. Admite que o Santander, que ficou com a parte boa do Banif, possa avançar com nova proposta.
“Pode ser que o banco Santander, tendo percebido que a solução não funcionou para a larguíssima maioria destes lesados, desenhe agora uma outra solução”, admite o negociador do Governo em entrevista à Renascença e ao "Público" (para ouvir na Renascença depois das 12h00 de quinta-feira). Admite também que já fez saber ao Santander que tal proposta “seria certamente um gesto muito apreciado” e que as conversas exploratórias que manteve com o banco de capital espanhol correram bem. “Não senti que não viesse a haver uma possibilidade adiante. Não mais do que isso.”
O Santander já havia apresentado uma proposta aos lesados do Banif, mas apenas 4% dos lesados se mostraram interessados na solução apresentada. Perante este facto, o Santander, na altura, considerou o assunto encerrado.
O dossiê relativo aos lesados do Grupo Espírito Santo/Banco Espírito Santo (GES/BES) foi um folhetim prestes a acabar, aparentemente com a satisfação de todas as partes, mas com uma pergunta no ar: o contribuinte vai, ou não, pagar por esta solução?
É um folhetim que começou algures no final de 2013. É uma ferida aberta há muito tempo. O risco de os contribuintes poderem ter que envolver algum do seu dinheiro nesta solução é ínfimo. Sublinho, ínfimo. Não consigo dizer que não existe porque também não sei se amanhã não há um tremor de terra ou coisa que o valha. É ínfimo. Trabalhámos sempre num cenário e com uma espécie de pressuposto essencial que era precisamente não haver oneração dos contribuintes. E o carácter ínfimo desse risco é colossalmente menor que o risco inverso de haver, porventura, no fim, uma conta de 600 ou 700 milhões de euros.
Por causa dos processos judiciais colocados pelos lesados?
As pessoas não terão entendido que há milhares de acções judiciais promovidas por estes lesados e convém lembrar que desde o início de todo este processo a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), autoridade insuspeita e a mais habilitada para ajuizar sobre tudo isto, sempre afirmou que estes lesados tinham razão e que tinha de se reparar aquilo que foi feito. Isto é, era-lhes devida a recuperação do dinheiro que investiram.
A CMVM chegou a apresentar uma solução que desonerava os contribuintes, no sentido em que atribuía ao Novo Banco a responsabilidade pelo pagamento.
É verdade. Talvez valha a pena lembrar que a célebre provisão para pagar, designadamente a estas pessoas, esteve inscrita no balanço de abertura do Novo Banco. Isto é, houve evidências factuais de que estes lesados teriam de ser pagos e houve evidencias factuais, antes e depois da resolução do BES, assentes, em larga medida, nesse entendimento da CMVM, aliás, estribado em pareceres de académicos de grande envergadura. Portanto, a probabilidade de aqui a uns anos este conjunto de lesados vir a ter razão nas suas acções poderia significar um risco, esse sim muito sério, diria mesmo muitíssimo sério, de haver uma conta de 600 ou 700 milhões de euros. O valor nominal dos créditos destes investidores não qualificados é hoje sensivelmente de 485 milhões de euros, mas aumenta com o decurso do tempo, designadamente por via dos juros de mora. Portanto, nada fazer não era solução. Atrevo-me a dizer que nada fazer era muito mais irresponsável.
E vale a pena ter noção do seguinte: esta não é a solução do Governo. Esta é a solução do Banco de Portugal, da CMVM, do BES, da associação dos lesados e é também, por via de tudo isso, a solução do Governo. Ninguém decidiu o que quer que fosse em lugar de ninguém. Foi um procedimento de diálogo exemplar em que foi possível criar condições para construir uma solução razoável, equilibrada e exequível.
Mas quem é que vai pagar a factura? Aqueles créditos são recuperáveis?
Talvez seja recuperado mais do que vai ser pago. Quem é que vai pagar? Quem deve desde sempre.
Ou seja?
Todos os responsáveis pelo que sucedeu. Todos aqueles que à luz da lei tenham porventura cometido alguma infracção ou no plano privado estejam obrigados a pagar e reparar. O que vai acontecer é que este conjunto de lesados vão agora ser questionados individualmente se querem [a solução proposta]. Podem não querer, mas a ideia que há é que uma esmagadora maioria vai aceitar esta solução e ao aceitá-la vendem os seus créditos a um veículo, que será um fundo privado, que a seguir vai cobrar esses créditos. Sucede que, no momento em que compra, vai pagar 286 milhões de euros, mas o que vai a seguir cobrar são 485. E vai cobrar de quem? De quem deve.
E quem deve tem dinheiro para pagar?
Entre outras coisas, chamo à atenção que há um arresto feito à ordem do tribunal muito significativo e vultuoso. Chamo à atenção que, na lógica da resolução do BES, por via de um princípio de que nenhum credor do BES pode ficar pior, por virtude da resolução, do que ficaria se tivesse havido liquidação, há logo uma parcela cuja recuperação está razoavelmente assegurada, de pouco mais de 30% dos 286 milhões de euros. Que depois se vá buscar à massa falida das emitentes que, como sabemos, designadamente a Rio Forte tem património. E que além do mais é possível por via indemnizatória ir buscar o resto.
Mas sublinho: o fundo não vai limitar-se a recuperar os 286 milhões que é pago como preço, o fundo vai cobrar 485 milhões. E tem estrita obrigação de procurar cobrar tudo até ao fim de todos os que possam ser responsáveis. De quem não vai cobrar: do Estado.
Mas é o Estado que dá uma garantia?
O Estado dá a garantia com a ideia de que ela nunca será executada. É por isso que é ínfimo o risco de daqui a muitos anos alguma parte deste dinheiro tenha de ser verdadeiramente paga. A ideia que tenho e que existiu à volta da mesa é que este fundo, como vai cobrar os 485 milhões e não apenas os 286 que vão ser adiantados em três anos, provavelmente pode cobrar mais do que o dinheiro que tenha de recuperar e que portanto em cima dos 286 adiantados possa, adiante, vir a haver dinheiro para entregar aos lesados. Evidentemente não ia haver um lucro final deste fundo por conta desta solução.
Se é assim tão fácil cobrar aos emitentes do papel comercial como diz, porque preferem os lesados receber apenas uma parcela do que têm direito?
Porque há gente que está em estado de aflição absoluta. Isto está circunscrito aos investidores não qualificados. São pessoas com perfil de aforradores. E deixem-me lembrar algo que legitimou e orientou o trabalho do grupo, que foi a recomendação específica inscrita nas conclusões do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o caso BES e GES: está lá uma recomendação específica, votada por unanimidade, a dizer que é preciso tratar urgentemente da situação destas pessoas.
Algumas delas estão em situação dramática do ponto de vista financeiro, porque tinham ali posto a totalidade das suas poupanças e aqueles juros, que não eram tanto às vezes como se imagina, faziam parte da sua estrutura de rendimento mensal. E, portanto, não o grupo de trabalho, não o Banco de Portugal, não a CMVM, não o Governo, mas a Comissão Parlamentar de Inquérito apontou claramente a necessidade de tratar urgentemente a situação destas pessoas. E isso foi uma espécie de moldura que guiou a actuação do grupo de trabalho, tal como uma outra resolução, da Assembleia da República (67/2015), que fala da necessidade de criar mecanismos expeditos, judiciais ou extra judiciais para lidar com situações destas.
Este acordo foi para os investidores não qualificados. Mas há também os grandes investidores qualificados que têm neste momento processos em tribunal. O risco de o Estado ter de vir a pagar uma pesada conta em relação a esses investidores mantém-se?
Pois.
Podemos vir a ter de pagar uma conta altíssima...
Pois, se não for entretanto encontrada uma solução, designadamente por via negocial que se explore.
E esse devia ser o próximo passo?
O que entendo desde sempre é que por vezes um diálogo substitui uma tensão dialéctica de anos e portanto, no mínimo, abertura para conversar, entendo que deve existir.
Já deu essa recomendação ao seu melhor amigo?
O senhor primeiro-ministro conhece estas minhas ideias desde o tempo em que tive o privilégio de servir no Governo ajudando-o como secretário de Estado da Justiça.
Podem poupar-nos muito dinheiro?
A todos. As soluções por via de acordo são soluções a que as pessoas, porque as constroem elas próprias, se vinculam até no plano moral e ético.
Como avalia a decisão do Banco de Portugal ter previsto uma provisão no balanço inicial do Novo Banco para pagar aos lesados e depois a ter retirado?
Não consigo fazer avaliação nenhuma. Nunca perguntei, nunca ouvi explicação nenhuma do Banco de Portugal e, portanto, não consigo fazer avaliação. Que factualmente no chamado balanço de abertura do Novo Banco aquela provisão lá estava inscrita e que nos dias a seguir por via das perguntas mais frequentes e das respostas pareceu claro que, não apenas a provisão estava inscrita, por responder a uma responsabilidade, no mínimo, contingente, mas que envolvia implicitamente o reconhecimento de que deviam ser pagos.
Não teria sido muito mais fácil ter seguido essa via?
Não tenho condições para avaliar porque é que a provisão, depois, não continuou.
É possível arranjar uma solução semelhante para os lesados do Banif?
Há uma diferença importante entre os lesados do GES/BES e os do Banif. É que relativamente aos do Banif a CMVM nunca expressou o entendimento de que tenha havido “misselling”, isto é, que tenha havido uma comercialização que tenha envolvido erro, má apreciação por parte dos que subscreveram os produtos financeiros. E isso tem uma importância determinante. O Santander, que comprou o Banif, não deixou de apresentar uma solução em termos de proposta comercial para os chamados lesados do Banif. A solução foi aceite por muito poucos. Objectivamente, não era uma solução que desse resposta aos anseios dos lesados. Pode ser que o Santander, tendo percebido que a solução não funcionou para a larguíssima maioria destes lesados, desenhe agora uma outra solução. E o mínimo que tem sido transmitido, por mim próprio, à associação que congrega grande parte dos lesados...
Fala com todos.
Falo com todos aqueles que for entendido que deva falar por quem me dá estas incumbências. E, portanto, porta aberta. Tenho procurado fazer algo também para ver se o banco Santander...
É só um desejo ou já houve algum avanço?
Houve expressão desta vontade e de que seria certamente um gesto muito apreciado se houvesse uma nova oportunidade mais adequada para estes lesados.
Houve receptividade por parte do Santander?
Tive uma conversa exploratória que correu bem. Não senti que não viesse a haver uma possibilidade adiante. Não mais do que isso. Abertura de espírito, com certeza.