Ter trabalho e não ter dinheiro para pagar uma casa. É um contrassenso e uma realidade em simultâneo, vivida por milhares de pessoas por todo o país, especialmente sentida nas grandes cidades. O preço das casas disparou nas últimas décadas e o crescimento salário médio ficou bem abaixo. Na origem da subida galopante estão vários fatores, um deles o programa de Vistos Gold, extinto há poucos meses pelo Governo.
Tanto o Governo como as autarquias correm atrás do prejuízo e já criaram programas para tornar a habitação num encargo razoável para as famílias. No entanto, a dimensão do problema faz com que as soluções criadas não consigam dar resposta à quantidade de pessoas que têm dificuldades para assegurar um direito consagrado na Constituição. A Renascença pediu os dados ao Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), à Câmara de Lisboa e à Câmara do Porto.
Lisboa. Cinquenta vezes mais pedidos do que casas disponíveis
Na capital, o problema tem uma expressão incontornável. Em resposta à Renascença, a Câmara Municipal de Lisboa revela que nos últimos cinco anos (desde 2018), a autarquia entregou 1100 casas em regime de arrendamento acessível. Durante o mesmo período recebeu 57 mil e 600 candidaturas.
Trata-se de uma capacidade de responder a menos de 2% das candidaturas efetuadas. Ou, por outras palavras, que para cada casa, há perto de 52 candidaturas. Cada pessoa pode candidatar-se mais do que uma vez.
Na resposta enviada à Renascença, a autarquia liderada por Carlos Moedas explica que, em média, há 3200 candidaturas por cada concurso (que normalmente envolve algumas dezenas de casas para atribuir). O último, em abril, foi um concurso para 64 habitações na zona das Avenidas Novas.
Os dados correspondem a habitações entregues pela autarquia nos dois mandatos que cobre. Com Fernando Medina, antigo presidente, a CML atribuiu 578 casas. Já com Carlos Moedas, a Câmara de Lisboa entregou 532 casas (até ao final do primeiro trimestre deste ano). Ou seja, das habitações em arrendamento acessível entregues nos últimos cinco anos, metade foram atribuídas por Medina, a outra metade por Moedas. Mas em mais de 80% dos casos, a construção foi iniciada pelo anterior executivo, liderado pelo agora ministro das Finanças, Fernando Medina.
Porto. 192 casas entregues e a incógnita das candidaturas
A Câmara Municipal do Porto conseguiu fazer chegar 192 habitações em arrendamento acessível através do programa “Porto com Sentido”. Em resposta à Renascença, a autarquia encabeçada por Rui Moreira esclarece que estas habitações foram atribuídas em 20 concursos, mas prefere não revelar quantas pessoas se candidataram, mesmo depois da insistência.
A autarquia portuense sublinha que “a promoção do arrendamento acessível é um dos eixos estratégicos da atuação do Município no que diz respeito à habitação” e quer colocar 1000 fogos em regime de arrendamento acessível entre o património da Câmara e dos proprietários que queiram colocar as suas habitações a preços controlados em troca de benefícios ficais (programa semelhante ao do IHRU).
Quanto ao património próprio, a Câmara Municipal do Porto tem “em perspetiva” a construção ou reabilitação de 180 habitações, num investimento de 22 milhões de euros que há de ser alavancado com fundos do PRR. Mas essas casas ainda não estão concluídas.
IHRU tem perto de 1100 chaves na mão
No Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, que está sob tutela do ministério da Habitação, há duas formas de colocar casas a um preço acessível no mercado: património do IHRU que é reabilitado e sorteado, ou casas de proprietários privados que colocam as suas casas num ‘subarrendamento’ a um preço acessível em troca de benefícios fiscais em sede de IRS.
Em resposta às perguntas da Renascença, o IHRU revela que nesta altura, há 1050 casas em arrendamento acessível “a grande maioria concentradas” em Lisboa e no Porto, e preferiu não revelar quantas candidaturas houve desde 2019, altura em que o programa foi criado.
Sobre as casas que pertencem efetivamente ao IHRU- um programa que foi criado mais recentemente – 36 já estão a ser habitadas com chave na mão nas duas cidades, e nesse programa houve 803 candidaturas válidas. Na resposta enviada, o IHRU frisa que “o grosso da operação está em fase de projeto ou empreitada” e que pretende atingir as 1500 casas no mercado.