Ana Paula Fernandes assume a partir desta sexta-feira a liderança do Camões, Instituto da Cooperação e da Língua com a “responsabilidade acrescida” de “ter sido crítica” e “chamado a atenção de várias coisas no passado” relativamente à política de cooperação e desenvolvimento.
“O facto de ter sido crítica, de ter chamado a atenção de várias coisas no passado, só acresce na minha própria responsabilidade. Hoje, consciente do que disse no passado, terei a obrigação ainda mais reforçada de estar atenta a algumas das coisas que disse”, assumiu a nova presidente do Camões em declarações à Lusa.
A nova gestora das políticas públicas portuguesas para a cooperação e desenvolvimento e para a promoção da língua foi durante os muitos anos uma presença assídua em múltiplos fóruns no país e no estrangeiro, onde criticou a falta de investimento e visão política da política externa nacional nas áreas que agora vai gerir.
“Em termos de perfil, sou muito frontal. Costumo dizer e comunicar, na lealdade que me caracteriza, aquilo que penso - que é o que se espera de todas as pessoas, que reflitam e partilhem a sua opinião e depois aceitaremos sempre a quem cabe a decisão que decida”, disse à Lusa.
Ana Paula Fernandes, 50 anos, é licenciada em Relações Internacionais pela Universidade do Minho, tem uma pós-graduação em Assuntos Europeus pelo ISEG e um mestrado em Cooperação Internacional pelo ISCTE.
Entre as várias funções que desempenhou, foi assessora de João Gomes Cravinho quando o atual chefe da diplomacia portuguesa assumiu as funções de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, entre 2005-2009.
Foi depois conselheira técnica na Delegação Permanente de Portugal junto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, organização multilateral onde ascendeu e exerceu durante quatro anos as funções de vice-presidente do Comité de Apoio ao Desenvolvimento (CAD), estrutura que tem como função a monitorização e avaliação das políticas públicas de cooperação dos seus estados-membros.
Da OCDE para o Camões
Ana Paula Fernandes desempenhava até ao final da semana passada as funções de chefe de unidade de Prospetiva, Reforma de Políticas e Relações Globais da OCDE.
“A vantagem do meu perfil é que trabalhei em quase todos os atores que estão envolvidos na cooperação. Trabalhei em organizações multilaterais, trabalhei em gabinete, trabalhei na sociedade civil. [Isso] dá-me alguma perspetiva das diferentes necessidades, dos diferentes momentos, das diferentes formas de fazer, dos diferentes objetivos, preocupações, enquadramentos que todas estas instituições ligadas a esta área enorme que é cooperação para o desenvolvimento têm e as formas de trabalhar”, assumiu à Lusa.
A gestora chega ao Camões para operacionalizar e implementar a Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 (ECP 2030), um documento aprovado em dezembro do ano passado, alinhado com a Agenda 2030 e recheado de metas ambiciosas, que assume a aposta na cooperação multilateral, trilateral, na cooperação delegada, que abre as portas das políticas públicas de cooperação e desenvolvimento aos privados, e que elege prioridades como a preservação do ambiente e da transição climática, o apoio à criação de emprego e ao desenvolvimento económico dos países parceiros de Portugal, e é particularmente sensível às questões da igualdade de género.
A nova líder do Camões diz que olha para este desafio “com muita motivação”, “senão não teria vindo da OCDE”, precisamente a instituição que mais ferramentas lhe deu para o enfrentar.
“A vantagem de ter estado no Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE como vice-presidente durante 4 anos e depois no secretariado da organização permite efetivamente conhecer ao detalhe não só outras cooperações, mas também de apoiar países que não são membros da OCDE a criar as suas próprias instituições, assim como também fazer muito de prospetiva e de planeamento estratégico na cooperação para o desenvolvimento”, cujos “novos desafios são muito diferentes dos que tínhamos há 20 anos”, disse a gestora.
Orçamento executado "dentro do previsto"
O Governo garantiu, na mesma cerimónia, que o orçamento do instituto está a “ser executado dentro do previsto”, e até “com significativos avanços face aos anos anteriores”.
“O orçamento do Camões está a ser executado dentro do previsto, com significativos avanços face aos anos anteriores”, afirmou à Lusa o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (SENEC), Francisco André.
O instituto esteve desde meados de março até hoje à espera Ana Paula Fernandes, que hoje assume formalmente a liderança do Camões, vinda da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), onde chefiava até ao final da semana passada a unidade de Prospetiva, Reforma de Políticas e Relações Globais da organização.
Não obstante os quatro meses com uma liderança interina - desde o final do mandato do anterior presidente, João Ribeiro de Almeida em 13 de março – o Camões pode apresentar “exemplos” de uma “trajetória ascendente” e de uma “nova forma de trabalhar” a ajuda pública ao desenvolvimento (APD) portuguesa, nos termos de Francisco André.
O governante disse à Lusa que, de acordo com os últimos dados da OCDE disponíveis, a APD portuguesa terá crescido, “pelo menos, 17,5%” entre 2021 e 2022, e que a expectativa do Governo é que “o apuramento final dos dados demonstre um crescimento ainda maior”, uma tendência que se consolidará este ano, segundo Francisco André.
O SENEC fez ainda questão de avançar um “segundo dado” desta “trajetória ascendente”, que se relacionada com a execução orçamental dos fundos disponíveis para financiamento de projetos por parte das organizações não-governamentais para o desenvolvimento (ONGD) entre 2021 e 2023.
Duplicação das verbas no OE 2023
“O montante passa de 3,4 milhões de euros em 2021 para 6,6 milhões em 2023”, anunciou o secretário de Estado, sublinhando estar a referir-se a “processos cujas candidaturas já foram apresentadas submetidas e aprovadas”.
“Estamos a falar, num espaço de 2 anos, de uma duplicação da capacidade de disponibilização financeira por parte do Instituto Camões para trabalho com a sociedade civil, para apoiar os projetos das ONGD”, reiterou.
O Camões viu duplicadas para 40 milhões de euros no Orçamento do Estado para 2023 as verbas para o exercício corrente, que Francisco André diz terem sido operacionalizadas para serem executadas na totalidade até ao final do ano, mas salvaguarda a importância da nova liderança na “estruturação” da nova visão da política de cooperação, incluindo o seu reforço financeiro.
“A nossa expectativa é bastante elevada. As novas ambições que constam da estratégia da cooperação portuguesa até 2030 (ECP 2030), definem bem como a cooperação para o desenvolvimento se constitui como um eixo central da política externa de Portugal, que nós pretendemos e com mais meios”, disse à Lusa.
Na prossecução desse desígnio, é com uma “expectativa muito elevada” que o Governo olha para a chegada de Ana Paula Fernandes à liderança do Camões.
Ana Paula Fernandes tem uma carreira nacional e internacional que “é reconhecida por todo o setor da cooperação e desenvolvimento”, dentro e fora do país, e a sua chegada enche o Governo de “satisfação”, sublinhou Francisco André.
“Temos bem noção de que encontrámos a pessoa certa para o lugar certo, para poder cumprir com todo o profissionalismo e dedicação esta ambição que temos de consagrar a cooperação para o desenvolvimento como um verdadeiro eixo central” da política externa portuguesa, acrescentou.