Leia também
- Rampa deslizante na eutanásia. Mito ou realidade?
- Eutanásia. Os casos mais marcantes e polémicos
- Eutanásia. Onde é legal, e em que condições?
- Eutanásia? Distanásia? Cuidados paliativos? Um dicionário para orientar no debate
José Miguel Lopes é coordenador da equipa de cuidados paliativos da unidade local de saúde do Alto Minho. Em sete anos foi confrontado por três vezes com pedidos para morrer. O mais recente foi o de uma jovem deprimida.
“Queria acabar com tudo e, ao mesmo tempo, com medo de tudo o que aí vinha. Lembro-me de lhe dizer que, com o determinado ajuste terapêutico, tudo poderia mudar e que mais à frente falaríamos do assunto. Tive de ajustar a medicação anti- depressiva e passadas umas semanas saiu à rua com a família e disse-me: ‘sim, claro que vale a pena’”, recorda o médico.
É a esta história de vida que o médico se agarra para explicar porque acredita que a despenalização da eutanásia “não é resposta ao sofrimento”, mas um risco para o “facilitismo”.
“O meu receio é que, mesmo socialmente, haja uma facilitação e perante as situações difíceis não reste outra alternativa que não pedir para morrer”, alerta o especialista.
Mas há outras questões que se levantam: “fala-se que uma pessoa deprimida não é capaz de ter autonomia para pedir para morrer. E uma pessoa em sofrimento para a qual não foi dada resposta adequada, é capaz de decidir? Os projetos de lei falam que os doentes precisam de ser observados por um psiquiatra. E porque não por uma equipa de cuidados paliativos?”, questiona o clínico.
Às dúvidas de José Miguel Lopes junta-se “o desconhecimento geral em termos de clarificação de conceitos”, “mesmo, entre os profissionais de saúde”, acrescenta Paula Felgueiras.
A médica do hospital de Viana do Castelo lamenta que poucos saibam a distinção entre “o que é a eutanásia, distanásia ou o suicídio assistido”. É um assunto sobre o qual “não se fala” entre colegas. “É um tabu”, remata.
Para a profissional de medicina interna, ligada ao Centro de Estudos de Bioética, criado pela Pastoral da Saúde da diocese local, está-se a “desviar a atenção” do que importa: o “desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde”.
“Se calhar, ao estarmos focados nesse tema [eutanásia] esquecemos tudo o resto”, lamenta a médica, que admite não entender “como é possível propor algo tão súbito sem antes dar a oportunidade de acesso e melhores cuidados paliativos”.
Os projetos de lei que propõem a legalização da eutanásia vão a debate no Parlamento no dia 20 de março.
Na quarta-feira, alguns deputados do PSD anunciaram que vão avançar com uma iniciativa de referendo. A Conferência Episcopal Portuguesa também já defendeu a realização de uma consulta popular sobre o tema.