O Tribunal Constitucional (TC) reconhece o direito dos chamados “filhos ilegítimos” ou de” pai incógnito” a verem investigada e reconhecida a sua paternidade, em qualquer momento da sua vida.
O Código Civil estabelece um prazo de caducidade de 10 anos, após a maioridade legal, para que uma ação de investigação da paternidade, possa dar entrada na Justiça. Na prática, uma pessoa que saiba ou suspeite que é filha de outra tem 10 anos, portanto até aos 28 anos, para ver investigada e reconhecida a filiação.
O Tribunal Constitucional vem agora declarar inconstitucional a existência de um prazo de caducidade, para alguém poder conhecer a sua verdade biológica. O acórdão, de que é relatora a juíza Maria Clara Sottomayor, considera que “tal prazo constitui uma restrição desproporcionada dos direitos fundamentais a constituir família, à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade, bem como do direito a conhecer a ascendência biológica e a ver estabelecidos os correspondentes vínculos jurídicos de filiação.”
Esta decisão contraria a jurisprudência do TC que até agora tem afirmado como legítima a existência de limitação temporal ao exercício do direito. Embora tivesse considerado num acórdão de 2009 como insuficiente um prazo de dois anos que a lei na altura previa e que posteriormente o legislador alargou para 10 anos.
Uma vez que se trata de um caso de fiscalização concreta da constitucionalidade, o acórdão apenas vale para o caso que foi colocado perante o tribunal. Mas como contraria posições anteriores do mesmo tribunal, dele cabe recurso obrigatório do Ministério Público para o plenário dos 13 juízes do TC.
Se o plenário vier a confirmar a decisão, dificilmente, qualquer secção do Tribunal decidirá em sentido contrário, em futuros recursos. E o acórdão será sempre uma fonte de interpretação para os magistrados judiciais da primeira instância e dos tribunais superiores.
A declaração de voto feita pelo presidente do TC pode ser um sinal de que a inconstitucionalidade do prazo vai ser confirmada pelo plenário. Manuel da Costa Andrade fala em” prevalência absoluta dos direitos de quem quer conhecer a sua paternidade sobre os interesses do investigado”.
Para que a declaração de inconstitucionalidade da caducidade do prazo fizesse jurisprudência, teria de haver duas decisões anteriores do TC no mesmo sentido.
De qualquer forma, o acórdão da Conselheira Maria Clara Sottomayor pode abrir caminho a uma declaração de inconstitucionalidade com carácter geral. E poderá pressionar o legislador a mudar de novo a lei.
É uma questão que afeta 112 mil pessoas registadas desde 1950, sem filiação paterna. Em média, todos os anos, entram nos tribunais portugueses dois mil processos de investigação da paternidade.
Em abril, numa decisão também contrária a acórdãos anteriores, o TC determinou que as crianças geradas por procriação medicamente assistida, através de tratamentos como a inseminação artificial ou a fertilização in vitro, deveriam poder conhecer a identidade dos dadores.