Na abertura do 23º Congresso do PS, António Costa prometeu continuar a investir no SNS e salvar a TAP, no encerramento anunciou apoios para jovens e famílias.
Entre os dois comícios do líder socialista e primeiro-ministro, os socialistas falaram de outros temas e passaram quase sempre ao lado do da questão da sucessão que, por enquanto, não é um problema socialista, seja por excesso de opções, seja porque a hora ainda vem longe.
Eleições autárquicas. Ganhar em toda a linha
A fasquia está alta – o PS já tem a maioria das câmaras, 159, o número mais alto da sua história -, mas António Costa colocou-a ainda mais alta. O líder quer maioria de autarcas socialistas em todas as regiões do país, de forma a controlar as Comissões de Coordenação Regional (CCDR), cujas direções passaram a ser escolhidas pelos autarcas e não pelo poder central.
Com o congresso a decorrer a um mês das eleições, os discursos de mobilização para a campanha foram naturais, quer por parte de candidatos, quer do lado dos dirigentes. “Vencendo-as [às autárquicas] lançaremos as novas bases para a regionalização”, disse Manuel Machado, o autarca de Coimbra que presidente à Associação Nacional de Municípios.
Associada às autárquicas, apareceu de forma constante a questão da descentralização de competências e a execução do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR).
“Os candidatos autárquicos do PS são os únicos que estão em condições para prosseguir esta agenda de modernidade”, disse Mariana Vieira da Silva, a ministra da Presidência, que teve neste congresso, como tinha tido no último, a tarefa de fazer e apresentar a moção do líder.
Mas nem tudo vai bem no processo de descentralização. Vitor Pereira, presidente da Federação de Castelo Branco, pediu um “ajustamento na descentralização”. E Basílio Horta, o ex-CDS que lidera a câmara de Sintra eleito pelo PS, subiu ao palco como convidado para pedir que seja feita uma avaliação do processo logo depois das eleições autárquicas. “Esse balanço é essencial”, disse Basílio, num congresso que o aplaudiu com entusiasmo e até com carinho.
Regionalização. Entre a urgência e a cautela
Será o passo seguinte na descentralização. Um passo que a moção de estratégia aprovada pelo congresso com mais de 90 por cento remete para 2024. Muitos gostavam de o ser acelerado, como o presidente dos autarcas do PS, Rui Santos.
Também o líder da JS, Miguel Costa Matos, desafiou o PS a acelerar a regionalização, “sem esperar por outro inquilino no Palácio de Belém”.
Contudo, alguns dos congressistas recomendam cautelas. “A regionalização não pode ser imposta por decreto, nem pelos políticos, tem de vir lá de fora”, alertou Nélson Brito, presidente da Federação do Baixo Alentejo. “Temos de justificar a regionalização junto das populações”, disse José Calixto, candidato a Évora.
Quem aconselha cautelas, receia sobretudo uma nova derrota da regionalização como aconteceu no referendo de 1998.
Mariana Vieira da Silva, no discurso de defesa da moção, voltou a remeter para 2024 o “lançamento do debate sobre a concretização da regionalização”. E, no discurso final, António Costa disse que é preciso “testar as condições de regionalização”, fazendo a avaliação do que tem sido a sua política de pequenos passados nesse sentido, através da descentralização de competências e da alteração do método de escolha das direções das CCDR.
Sindicalismo. A UGT precisa de carinho
A falta de atenção de António Costa para com a UGT é uma ferida que está aberta há já uns anos, mas que neste congresso esteve presente em discursos que foram além das intervenções de representantes sindicais. Ascenso Simões foi o primeiro a levar o assunto ao microfone, fazendo eco de uma queixa feita já repetidas vezes por Carlos Silva, secretário-geral da UGT.
Também o deputado Porfírio Silva foi no mesmo sentido. "No mundo sindical também se trabalha pela democracia no país, por exemplo, no caso dos trabalhadores socialistas da UGT], por uma concertação social moderna e progressista, e também se trabalha pela democracia no seio do próprio movimento sindicalista", afirmou, deixando uma palavra de apreço pelos "que lutam para que o movimento sindical seja democrático, não seja monolítico e não seja controlado por nenhum partido".
Wanda Guimarães, sindicalista e ex-deputada, lamentou a falta de referências na moção de estratégia de Costa à ligação com os trabalhadores. “Não pensem que a maioria dos trabalhadores votam no PCP. Não. Votam é no PS”, avisou a antiga dirigente, antes de José Abraão, secretário geral da federação de sindicatos da função pública – FESAP, subir ao palco para pedir que se acabe com o que diz ser a ditadura das finanças e desafiar o primeiro-ministro a aumentar salário mínimo nacional para lá dos 750 euros que estão previstos até ao final da legislatura.
Outros partidos. Namoros à esquerda, suspeitas à direita
Foi um congresso sem ataques diretos à oposição e em que quase não se falou de outros partidos, pelo menos de forma expressa.
A entrevista do presidente dos autarcas sociais-democratas à Renascença foi várias vezes citada no palco como sinal da abertura do PSD para novos acordos com o Chega. A estratégia socialista é tentar colar o PSD ao Chega e, com isso, agitar o fantasma de alianças entre os sociais-democratas e um partido que uns chamam de fascista, outros de extrema-direita. Foi o que fizeram Ana Mendes Godinho, Fernando Medina e, de forma mais brutal, Vasco Cordeiro.
A direita continua a ser associada às “politicas de austeridade” e a esquerda foi quase sempre tratada como um todo. Ana Catarina Mendes ainda deu uma crítica indireta ao Bloco de Esquerda, quando disse que houve “quem tivesse medo” de partilhar com os socialistas o risco de gestão da crise.
Apesar dos solavancos e exigências, o caminho dos socialistas continua a ser com a esquerda e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, avisou o PS para não ter tentações de autossuficiência.
O ex-deputado Ricardo Gonçalves, que falou já depois da meia-noite de sábado, foi a única voz discordante da estratégia de esquerda ao pedir a António Costa que faça uma aliança com o PSD.
Sucessão, o congresso paralelo
A questão da sucessão de António Costa na liderança do PS foi, como diria José Sócrates, uma ‘narrativa paralela’ a este congresso, alimentada previamente por António Costa e Carlos César.
Em entrevista ao Expresso, Costa, que foi reeleito por mais dois anos em junho, remeteu para 2023 a decisão sobre um novo mandato. Abriu uma janela a uma discussão a que ele próprio tinha posto travão há três anos, no congresso da Batalha, quando, perante a pressa de Pedro Nuno Santos em se afirmar como sucessor, avisou que ainda não tinha metido os papéis para a reforma.
Agora, Pedro Nuno ficou calado. Tomou, com notório atraso no primeiro dia, o seu lugar na mesa de destaque do congresso, onde Carlos César decidiu sentar os quatro eventuais sucessores de Costa, mas não apresentou moção nem discursou.
Mariana Vieira da Silva cumpriu, com menos nervosismo e um discurso mais político, a função que Costa lhe tem confiado nos congressos: fazer, apresentar e defender a moção do líder. A líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, como que apresentou um relatório e contas da eficiência socialista. Fernando Medina vestiu por inteiro o fato de candidato à capital, com um discurso sobre o que marca a diferença nas eleições de 26 de setembro e que deve ser decisivo na hora de votar.
O congresso não foi, portanto, o concurso de talentos políticos para sucessores que ameaçava ser. Foi sim mais uma consagração, talvez a maior, da liderança de António Costa, aclamado como ‘salvador da pátria’ perante a ameaça pandémica. Mostrou que ninguém tem mais vontade do que ele para liderar o PS e o Governo e o PS mostrou que não quer nenhum outro neste momento. “Só o PS tem António Costa”, disse Mariana Vieira da Silva. E isso, por enquanto, basta.