Os partidos com assento parlamentar reagem à auditoria feita aos atos de gestão dos últimos 18 anos do BES/Novo Banco, divulgada esta terça-feira.
O PS considerou que o documento identifica a origem da "doença" financeira no Banco Espírito Santo (BES) e acusou o Governo PSD/CDS e a anterior administração do Banco de Portugal de terem "falhado".
Estas posições foram transmitidas à agência Lusa pelo vice-presidente da bancada socialista João Paulo Correia, em reação à auditoria que a Deloitte entregou ao Governo.
"Esta auditoria diz-nos que a doença do BES passou para o Novo Banco, ao contrário do que tinha sido anunciado e prometido pelo anterior Governo PSD/CDS e pela administração do Banco de Portugal no dia da resolução", em 3 de agosto de 2014, apontou o vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS.
João Paulo Correia referiu que o executivo de Pedro Passos Coelho e a equipa do Banco de Portugal liderada por Carlos Costa "prometeram ao país que iriam constituir um banco bom, que os ativos tóxicos ficariam no BES e que este Novo Banco ficaria com a matéria positiva do BES".
"Mas esta auditoria diz-nos que as perdas que o Novo Banco tem registado - e que têm motivado injeções de capital por parte do Fundo de Resolução ao longo dos últimos anos - são resultado exatamente destes ativos tóxicos que passaram do balanço do BES para o balanço do Novo Banco. Estamos a falar de créditos que tinham um valor muito acima daquilo que realmente valiam à época", exemplificou o dirigente socialista.
De acordo com João Paulo Correia, o Governo PSD/CDS e o Banco de Portugal, "por taticismo político, optaram por não reconhecer a totalidade da necessidade de capital para constituir o Novo Banco".
"Em vez dos 4,9 mil milhões de euros de capitalização inicial, o Novo Banco precisava de perto de dez mil milhões de euros. Muitos dos ativos não foram reconhecidos à época. As perdas desses ativos têm sido reconhecidas agora", lamentou ainda o dirigente da bancada socialista.
João Paulo Correia reforçou depois a tese de que as decisões que foram tomadas no período final do BES "têm responsáveis".
"Do nosso ponto de vista, os responsáveis são [a administração] à época do Banco de Portugal e o Governo PSD/CDS. O que prometeram ao país não foi aquilo que aconteceu, falharam e têm de ser responsabilizados", disse.
Confrontado com o teor do requerimento do CDS para que o atual governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, e o ministro de Estado e das Finanças, João Leão, prestem com caráter de urgência esclarecimentos sobre a situação do Novo Banco no Parlamento, João Paulo Correia afirmou que o PS não se oporá a essas audições, mas frisou que não são prioritárias.
CDS chama Centeno
Já o CDS requereu, com caráter de urgência, a audição do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, e do ministro das Finanças, João Leão, para darem explicações sobre as "perdas muito avultadas" do Novo Banco.
Num requerimento assinado pela ex-líder parlamentar Cecília Meireles, refere-se que a Assembleia da República recebeu esta terça-feira a auditoria à gestão do Novo Banco e que, de acordo com o que está a ser noticiado pela comunicação social, revela perdas líquidas de 4.042 milhões de euros.
"De acordo com o mecanismo de capital contingente desenhado aquando da venda do Novo Banco, o Fundo de Resolução (com recurso a empréstimos do Estado e, consequentemente, dos contribuintes portugueses) responde pelas perdas relacionadas com alguns ativos em determinadas circunstâncias até ao montante de 3.900 milhões de euros", aponta a deputada democrata-cristã.
Em declarações à agência Lusa, a deputada do CDS-PP começou por "lamentar que uma auditoria que foi tão esperada, que chega agora ao parlamento" e, ainda antes de os deputados terem acesso à mesma, começam "a saber o seu conteúdo pela comunicação social".
"Eu penso que teria sido mais transparente então ter mandado a auditoria para toda a gente", apontou.
Cecília Meireles explicou que pediu "com urgência que fossem ouvidos o Governador do Banco de Portugal e o ministro das Finanças" uma vez que já se encontram agendadas as audições do Conselho de Administração do Novo Banco e do Fundo de Resolução sobre este assunto.
"Em 2017, o então Governo e o ministro das Finanças da altura, Mário Centeno, decidiu vender o Novo Banco, responsabilizando em determinadas circunstâncias o Estado por perdas até 3.900 milhões de euros. Ora nós ficamos agora a saber que esta auditoria deteta perdas de um montante aproximado de 4.000 milhões de euros e a primeira coisa que eu quero saber é se nós estamos a falar das mesmas perdas que em 2017 já se previa que pudessem existir ou de outras perdas", afirmou.
Por outro lado, de acordo com a deputada do CDS-PP, há "um vendedor, o ministro das Finanças da altura, que foi o vendedor do Novo Banco e que é agora o supervisor do Novo Banco".
"E, portanto, eu acho que é fundamental nesta matéria ouvir Mário Centeno, que foi o ministro das Finanças que vendeu o banco e que é agora o Governador do Banco de Portugal que supervisiona o banco. Eu creio que é uma audição que todos perceberão a sua necessidade", justificou.
PAN quer renegociação de contratos e apoia comissão de inquérito
O PAN vai propor a renegociação dos contratos de venda do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star e apoia uma comissão de inquérito parlamentar, face às conclusões da auditoria externa.
Estas posições foram anunciadas pelo deputado e porta-voz do PAN, André Silva, num vídeo em que considera também que está demonstrado que "a transferência de 850 milhões de euros feita em maio foi uma decisão política desastrosa e lesiva do interesse público e, portanto, também aqui deverá haver um esforço do Governo para que seja feito um 'mea culpa' e que relativamente a esta decisão se apurem todas as responsabilidades que houver para apurar".
"O PAN proporá, em sede do próximo Orçamento do Estado, a renegociação dos acordos de venda do Novo Banco e encargos futuros para o erário público e [quer] assegurar que durante a crise sanitária ou por causa dela não será injetado mais nenhum dinheiro público no Novo Banco", declara André Silva.
O porta-voz do PAN defende que "a gravidade dos factos que constam dos resultados desta auditoria justifica uma comissão de inquérito parlamentar que procure aprofundar os respetivos contornos e apurar todas as responsabilidades por tais factos que tanto lesaram o erário público, nomeadamente as responsabilidades de natureza política".
"Por isso, o PAN afirma-se desde já disponível para fazer parte do consenso necessário para viabilizar uma eventual comissão de inquérito", acrescenta.
No início da sua intervenção, André Silva diz que os resultados desta auditoria externa que cobre o período entre 2000 e 2018 e revelou perdas líquidas de 4.042 milhões de euros "fazem hoje cair por terra alguns mitos que, numa complacência inadmissível com este crime de colarinho branco, foram sendo alimentados ao longo dos anos por PS e PSD", como o de que do processo de resolução do Banco Espírito Santo (BES) resultaria "um banco bom e um banco mau".
"O que tínhamos era um banco ruinoso e um banco péssimo, sendo que chegámos a esta situação devido à gestão ruinosa de Ricardo Salgado, mas também à complacência que tiveram para com ele ao longo dos anos o poder político, o Banco de Portugal e, em particular, os governadores do Banco de Portugal Vítor Constâncio e Carlos Costa", acusa, defendendo "que se apurem todas as responsabilidades existentes pela situação a que chegou o BES e pelas mentiras que foram contadas aos portugueses".
O Novo Banco, que ficou com parte da atividade bancária do BES na sequência da resolução de 2014, foi vendido em 2017 ao fundo norte-americano Lone Star, que detém 75% do seu capital, sendo os restantes 25% propriedade do Fundo de Resolução bancário, entidade gerida pelo Banco de Portugal.
André Silva começa por mencionar que os resultados da auditoria ao Novo Banco realizada pela consultora Deloitte "ainda não foram entregues aos partidos" na Assembleia da República e realça que, para o PAN, "deverão ser públicos e acessíveis a todos os cidadãos e cidadãs que tenham interesse na sua consulta".
Desde já, com base "nos dados que vieram a público por via da comunicação social", o deputado dá como comprovado que "a gestão do Novo Banco tem sido, desde sempre, ruinosa e focada no objetivo de ter prejuízo e de obter transferências de dinheiros públicos que em nada ajudam o sistema bancário e que apenas servem para encher os bolsos da Lone Star e dos seus acionistas".
Segundo o PAN, "o segundo mito" agora desfeito "é de que o Governo do PS e em especial o ex-ministro das Finanças Mário Centeno, ao passarem sucessivos cheques em branco de muitos milhões de euros para o Novo Banco, estariam a garantir o cumprimento do contrato de venda do banco e, no fundo, a defender o interesse público".
O PAN quer que, "para além de se averiguarem as responsabilidades criminais, também se avaliem as responsabilidades políticas associadas, sejam elas de quem forem e tenham elas as consequências que tiverem".
André Silva refere que a renegociação dos contratos de venda do Novo Banco "já poderia estar em curso se, em sede do Orçamento Suplementar, esta proposta do PAN não tivesse chumbada com o voto contra do PS e a abstenção do PSD e do PCP".
O porta-voz do PAN manifesta a expectativa de que os resultados desta auditoria tragam "uma mudança de postura da parte do poder político relativamente ao Novo Banco e à banca no geral", sem mais "cheques em branco".
PSD quer mais esclarecimentos
O presidente do PSD disse esta terça-feira estranhar que se fale mais do BES do que do Novo Banco na auditoria externa agora conhecida, considerando necessário saber se "está correto" o dinheiro injetado após a resolução daquela instituição.
"Mais informação sobre o BES não é mau, mas não é aquilo que é absolutamente premente. O que é premente é nós percebermos o que aconteceu com o Novo Banco, não em [20]14 ou em [20]15, que era BES, mas a partir do momento que o Novo Banco foi vendido à Lonestar, em 2017", afirmou, em declarações aos jornalistas à margem da visita ao Centro Hospitalar de São João, no Porto.
O líder social-democrata insistiu na necessidade de uma investigação do Ministério Público à instituição, considerando que as auditorias "são como as sondagens, valem o que valem".
"A auditoria não conheço, estranho que se fale mais do BES do que do Novo Banco, o que está em cima da mesa para nós pagarmos é Novo Banco, o BES está pago e entregue à justiça", sublinhou.
Rio insistiu que, mais do que auditorias, o Novo Banco deve ser alvo de uma investigação.
"Aquilo que eu suspeito, e que tenho vindo a dizer, é que, nós contribuintes, e, portanto, o Estado tem pago uma fatura que vai muito para lá daquilo que era justo que acontecesse. E isso é que era preciso que uma auditoria apurasse, sendo certo que as auditorias são um bocado como, desculpem-me dizer, isto é polémico, como as sondagens, valem o que valem", disse, dando como exemplo a banca, que apesar de ter sido alvo de várias auditorias "estava praticamente falida".
Neste caso, reiterou o presidente dos sociais-democratas, é fundamental que haja uma investigação "a sério" do Ministério Público para se aferir em que condições é que essas perdas aconteceram e se o dinheiro injetado foi justo.
"A similitude que se pode ter aqui é que também está doente. O Novo Banco também está doente e os contribuintes ficam também doentes por causa disso", começou por afirmar Rui Rio.
Apesar de afirmar desconhecer o teor da auditoria, o líder social-democrata sublinhou que, quanto ao BES, todo conhecem "a desgraça" e a fatura que foi paga, mas o mesmo não é possível dizer sobre o Novo Banco.
Rio considerou necessário escrutinar as perdas de 2017, 2018 e 2019, este último ano não abrangido pela auditoria, por forma a aferir se o dinheiro que os contribuintes têm pago para o Novo Banco "está correto ou está absolutamente incorreto".
PCP insiste em controlo público do banco
Já o deputado comunista Duarte Alves considerou que "o escândalo do BES continua com o Novo Banco", reiterando a necessidade de controlo público daquela instituição financeira.
"Estas perdas hoje divulgadas revelam, mais uma vez, que o PCP tinha e tem razão quando afirma que, uma vez que o Estado continua a pagar a conta da limpeza do Novo Banco, este deve ser revertido para a esfera pública e colocado ao serviço da economia e do país. Quanto mais cedo se avançar com o controlo público mais cedo se acaba com a gestão danosa que acaba sempre por ser paga por todos os portugueses", disse, em declarações aos jornalistas no Parlamento.
O parlamentar do PCP sublinhou que "devem ser apuradas todas as responsabilidades judiciais relativamente aos atos de gestão danosa do Novo Banco".
"Mais uma vez se confirma que o escândalo BES continua com o Novo Banco, desde logo com a fraudulenta resolução pelo Governo PSD/CDS, em que se mentiu aos portugueses, dizendo que era possível resolver o banco com o que restava dos fundos da 'troika' e separando um suposto banco bom de um banco mau. Depois, com a ruinosa privatização pelo Governo PS em que se entregou, praticamente a custo zero, o Novo Banco a um fundo abutre que continua a gerir os ativos conforme os seus interesses", continuou.
Bloco diz que faltam respostas
O Bloco de Esquerda (BE) considerou que auditoria ao Novo Banco não responde à pergunta "se a Lone Star está a enganar o Governo português" e defendeu a divulgação do documento que chegou ao parlamento, alegando não ter dados confidenciais.
"Muitas vezes, quando se procura fazer tudo, corre-se o risco de dizer muito pouco sobre cada coisa e é o que parece ser esta auditoria", disse a deputada do BE Mariana Mortágua aos jornalistas, no parlamento, numa "análise preliminar" ao relatório da auditoria ao Novo Banco, realizada pela consultora Deloitte.
Em relação à confidencialidade do documento, a deputada bloquista começou por referir que "a Assembleia da República tem que ter todos os dados para poder analisar o que se passou no BES e no Novo Banco, incluindo nomes de empresas, nomes de devedores e de empresas que tiveram as operações reestruturadas ou perdoadas", considerando que "o documento que chegou à Assembleia da República pode ser divulgado desde já porque não tem nenhum dado que seja confidencial".
"Temos de acabar com este regime de pôr um carimbo de segredo nos documentos que aqui chegam para que não possa haver transparência", apelou.
Segundo Mariana Mortágua, "a auditoria confirma alguns dados" que já eram conhecidos.
“O que a auditoria não nos permite concluir é se a Lone Star está a enganar o Governo português e os contribuintes portugueses, obrigando o Governo a pagar por prejuízos que poderiam ter sido evitados e essas são as notícias que vieram a público recentemente sobre a venda de carteiras de ativos e de imobiliários e nós continuamos a não ter uma explicação para isso. Para essas perguntas eu não encontro, na análise preliminar, resposta", criticou.
Na perspetiva da deputada do BE, a "auditoria cobre um período muito extenso e objetivos muito diferentes".
"Interessa-nos agora perceber se a Lone Star está a enganar o Estado português e essa é a pergunta que nós queremos encontrar resposta na auditoria. Não encontramos na primeira leitura, vamos aprofundar essa leitura porque a auditoria tem de cumprir esse objetivo que é proteger os interesses dos portugueses", enfatizou.