Com 55 anos, Nuno Melo vai, pela primeira vez, ser candidato a presidente do CDS, defrontando o atual líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos. Apesar de reconhecer que ambos são conservadores, o ex-vice-presidente de Paulo Portas e Assunção Cristas apresenta-se com a intenção de “recuperar quadros, ter ideias nítidas e unir desavenças”.
No programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal 'Público', o eurodeputado considera que o Chega e a Iniciativa Liberal são “adversários” do partido e que têm de ser combatidos.
O congresso foi marcado para 27 e 28 de novembro e queixou-se de que era muito cedo. Entretanto, aumentou a ameaça de crise política e o líder do CDS admite mudar a data do congresso. O que acha melhor?
O que é que quer o presidente do partido se houver uma crise política? É basicamente ir a votos em eleições legislativas, escolhendo o próximo grupo parlamentar sem ir a congresso. Essa é que seria a suprema chapelada. Não me importo nada que o congresso seja adiado dando mais tempo desde que seja anterior às legislativas, se acontecerem.
Acha possível legislativas antecipadas?
Não sei, não tenho dons premonitórios. O congresso escolherá a estratégia, se quer ou não coligação com o PSD, se quiser coligação em que termos, e decidirá o líder que deverá pôr em prática a estratégia. O contrário seria a suprema chapelada, um golpe partidário que eu nunca teria posto como possibilidade no meu partido.
Se houver legislativas antecipadas e se a direção adiar o congresso, vai tentar forçar a realização de um congresso?
A alternativa que nos restaria seria recolher assinaturas, à volta de quatro mil, para pedir a convocação do congresso.
Pode estar aqui em causa a democracia interna e a legitimidade do CDS?
A democracia interna está a ser comprimida no CDS como eu nunca vi. E dou muitos exemplos que me entristecem. Eu, que levo muitos anos de partido, e que travei muitas lutas em congresso, apesar de tudo, sempre via no CDS um exemplo de democracia interna. Estamos a falar de uma direção que pediu a antecipação do congresso sem nenhuma necessidade. Se se realizasse na data ordinária, em janeiro, a data era consensual. Neste momento, a direção do partido recusa entregar-me cadernos eleitorais, não permitirá que a minha candidatura tenha fiscais nas mesas de voto. Podem, no limite, persistir na ideia, mas a minha candidatura terá pessoas nem que seja à porta dos edifícios.
Qual é a justificação?
É ‘nós entendemos que é assim’. Nunca vi isto no CDS. Não vivemos no Burkina Faso nem na Coreia do Norte, nem estamos a tratar de uma qualquer eleição para uma associação juvenil. Neste momento, não temos um projeto de partido para o país, no caso de quem está há um projeto de poder onde vale tudo para ali ficar, o que só aumenta a minha determinação. O que antes era um ato democrático da legitimidade de um militante se candidatar, passa a ser uma luta pela legalidade e pela decência. Esta direção substituiu os senadores do partido só a pensar no congresso, sem lhes dar uma palavra de agradecimento, de justificação. Não está em causa quem entra, está em causa estes que saem. Na medida em que possa representar o CDS, eu peço desculpa a estas referências do CDS e no que de mim dependa, se for presidente do CDS, isto nunca mais voltará a acontecer. Atitudes como estas envergonham-me.
Nuno Melo e o atual líder do CDS são ambos conservadores, liberais na economia e democratas-cristãos nas questões sociais. O que é que vos distingue?
Não sei se o Francisco Rodrigues dos Santos diz isso. Sempre o tive como um conservador puro e duro, sempre assim se assumiu, o que não tem nada de mal. Sempre tivemos muitas correntes a conviver dentro e nelas bebendo o partido com vantagem na perspetiva eleitoral. Um erro do passado – e eu devo reconhecê-lo – foi a criação institucionalizada de correntes com direitos estatutários que, através deles, começaram a barricar-se em oposições conflituantes. Isto tem feito muito mal ao partido.
Francisco Rodrigues dos Santos parece preferir Rui Rio e tem vindo a falar de uma aproximação ao PSD para um projeto comum. Nuno Melo privilegiará um CDS mais autónomo do PSD e também prefere Paulo Rangel?
Tenho uma ótima relação com o dr. Rui Rio e uma ótima relação com o dr. Paulo Rangel. Mas o PSD é que deve decidir as suas lideranças. O que me interessa é que o CDS seja um partido forte, credível, que valha por si. Todos os nossos candidatos são extraordinários, os que tiveram 1% e os que tiveram maioria absoluta, mas devemos saber ler a realidade. Onde o CDS concorreu sozinho teve 1,5% e em 70% dos casos ficou atrás do Chega e da IL. Dirá o Francisco Rodrigues dos Santos que o resultado é assim porque fizemos muitas coligações. Num enorme número das coligações que foram feitas, o CDS não tem um vereador. Qual é o significado político disto? Grande parte das câmaras municipais que o CDS perdeu foram para o PSD. Nós damos o símbolo e os votos e o PSD fica com todos os vereadores. O PSD tem uma profunda máquina de se inserir na sociedade. E o CDS desaparece porque não manda. Se tivesse de fazer coligações com o PSD, o CDS teria de ter, no mínimo, o vereador que dá a vitória.
O que vai estar em causa neste congresso é uma decisão entre um CDS mais autónomo e mais independente do PSD e um CDS que tende a diluir-se no PSD?
Também, mas não só. Se eu consigo ler, uma das principais causas de declínio deste CDS, com esta direção, começa nos protagonistas. Se olharmos para o Chega é a realidade de uma pessoa, que explora o pior da natureza humana, mas que sabe o que quer, dentro daquele radicalismo. A Iniciativa Liberal é um produto extraordinário de marketing, mas também se sabe o que quer, basicamente é reduzir impostos. O CDS sempre foi um partido de quadros. Se olhar para a direção do CDS, salvo devido respeito, não conhece ninguém. Depois, o CDS não tem uma ideia nítida e é a razão pela qual muitas pessoas são levadas a votar no Chega e na Iniciativa Liberal.
O que é que o CDS pode e ainda deve ser?
Um partido que não tem quadros e que não tem ideias é um partido que perde expressão eleitoral inevitavelmente. A principal diferença que represento, a par de outras, é a de querer recuperar quadros, ter ideias nítidas e unir desavenças que são fratricidas e que estão a destruir de uma forma larvar o partido. Terei no dia 5 uma convenção programática, para a qual convidei pessoas que podem ajudar a devolver essa credibilidade ao CDS. Vou dar dois nomes. Na agricultura é o engenheiro Luís Mira, que é secretário-geral da CAP. Na saúde, vamos ter pessoas como o dr. Eurico Castro Alves, que foi presidente do Infarmed.
Em eleições legislativas, antecipadas ou não, é contra uma coligação pré-eleitoral com o PSD?
Essa questão deve ser decidida em congresso e não por uma liderança que não tem legitimidade para, em fim de ciclo, condicionar o partido nos próximos dois anos. Já fiz muitas coligações com o PSD e já combati o PSD nas urnas. Se há coisa que eu sei é que o PSD não respeita propriamente um partido que seja débil no plano negocial. Não aceitaria uma coligação com o PSD se me dissessem ‘está a ver o número de deputados que tem? é o número de deputados que o CDS vai ter'”.
É então uma questão de negociação?
O CDS, como sempre defendi, tem de estar preparado para ir a votos sozinho com as suas marcas, os seus quadros e ideias nítidas, que é coisa que hoje não tem, e com convicção.
Se for sozinho não arrisca tornar-se irrelevante no Parlamento?
A última coisa que eu quereria era conceber o PSD como parceiro na base da aspirina que nos apaga a dor, mas que nunca seria o antibiótico que resolveria o problema estrutural. O CDS não terá viabilidade futura se não mostrar perante o eleitorado, por si, que tem força. Eu sempre assumi o PSD como parceiro de igual para igual, não numa relação de estado de necessidade e de dependência. Eu não quero ser um presidente do CDS que copia o Dr. Rui Rio ou o dr. Paulo Rangel. Se Francisco Rodrigues dos Santos voltar a ser presidente, vamos ter mais dois anos de costas voltadas aos dois principais órgãos do partido. O CDS não aguenta isso. Sou realmente a única pessoa capaz de pacificar o CDS.
Em que é que o CDS se distingue do PSD, do Chega e Iniciativa Liberal e como é que combate estes dois partidos?
Só me faz essa pergunta porque não encontra nenhuma nota distintiva. O vale-farmácia é uma coisa boa, mas não pode ser a base programática de um partido.
Qual é a razão de o CDS existir?
É a de um partido fundador da democracia, que tem prestado grandes serviços a Portugal, a de um partido que tem dentro de si correntes doutrinárias e isso não é razão para que as pessoas não se sintam bem no CDS. O CDS hoje não fala de segurança porquê? Tem medo de se parecer com o Chega? O Chega está cá há meia dúzia de anos e o CDS está desde 1974.
O CDS deve ser mais agressivo com o líder do Chega?
Se o CDS não tiver noção de que um partido que quer acabar com o CDS não é aliado, é adversário, então não percebe coisa nenhuma. O nosso adversário ideológico são os socialismos, mas estes partidos que querem acabar com o CDS para crescer também são nossos adversários e temos de os combater de forma nítida, distintiva, com racionalidade. Temos obviamente que combater o Chega e responder à altura ao André Ventura. Em relação à Iniciativa Liberal, são muito simpáticos, mas já temos tudo isso no CDS. Combater o PS e à nossa direita quem quer aniquilar o CDS. Com liderança, quadros, ideias e uma voz forte. Sem medo.
Garantindo que o CDS não fará alianças com o Chega?
O CDS, antes de estar conceptualmente a discutir alianças com o Chega ou iniciativas liberais, tem é de tratar da sua vida e ter votos e força para que a questão não se ponha. Agora, imagine que o CDS e o PSD estão, no somatório dos votos e dos mandatos, a quase nada de ter uma maioria. Eu não tenho de fazer uma aliança com o Chega. O Chega é que tem de decidir o que quer: ou viabiliza um governo do PS, e responderá por isso, ou percebe que um governo do PSD e CDS faz mais sentido para Portugal.
Não exclui um apoio parlamentar do Chega?
O PS recusou o apoio do PCP, que faz festas do Avante com o painel do Politburo soviético, ou que convida as FARC da Colômbia? O PS recusa os votos do Bloco de esquerda que glorifica o Che Guevara, que foi um dos maiores torcionários da História?
E se Nuno Melo ficar na oposição no CDS?
Não me vou embora. Li uma notícia disparatada de que iria haver debandada da ala ‘portismo’. Garanto-lhe que não vou refazer o ‘portismo’.
Não teme uma cisão se perder o congresso?
Posso garantir que muitas dessas pessoas que estão comigo incluídas nesse artigo não têm intenção de sair se perderem o congresso. Estou a lutar para ganhar o congresso. Temos assistido a perfis falsos nas redes sociais para nos apoucar, que tentam passar uma ideia de grande apoio na outra candidatura.
As posições estão muito extremadas. Se perder o congresso, o que acontece à atual bancada do CDS?
Se o atual presidente ganhar vai estar dois anos a destratar um grupo parlamentar. Se eu for eleito trabalharei com este grupo parlamentar. As posições não estão muito extremadas. Se há propósito meu é o de unir todas estas tendências. Há pessoas boas que estão com Francisco Rodrigues dos Santos, que estiveram com Filipe Lobo d'Ávila. Eu tenciono acabar com um partido que fiscaliza pessoas pelo Facebook e faz print screens de likes nas páginas dos outros. Não quero um CDS que seja uma espécie de Stasi da modernidade. Unir o partido significa não excluir quem não concorda comigo. Pelo contrário, vou tentar envolver quem não concorda comigo. Nos órgãos do CDS vai ver mulheres e caras novas.
Tenciona renunciar ao mandato no Parlamento Europeu?
É uma ponderação que estou a fazer e que será uma declaração que farei ao partido.