O agora ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, terá influenciado António Costa para decisões favoráveis aos interesses da sociedade Start Campus, segundo a indiciação do Ministério Público (MP), tendo também pressionado diversas pessoas e entidades.
De acordo com o despacho, a que a Lusa teve acesso esta quinta-feira, Vítor Escária, que foi detido na terça-feira e aguarda pelo seu interrogatório, “disponibilizou-se para dar apoio no que fosse necessário para ultrapassar obstáculos ao andamento do projeto” do ‘data center’ desenvolvido por aquela sociedade para Sines, com vista a “conferir maior celeridade aos procedimentos administrativos e legislativos relevantes”.
O MP defende também que o ex-chefe de gabinete de António Costa “não se coibiu de dar seguimento aos pedidos” de Diogo Lacerda Machado, amigo do primeiro-ministro e consultor da Start Campus, para conseguir junto do Governo a “obtenção de decisões ilícitas favoráveis e o mais célere possível, entre os quais o primeiro-ministro, os ministros do Ambiente e das Infraestruturas e secretários de Estado da Energia”.
Entre os indícios sobre a conduta do arguido, o MP indica uma conversa telefónica de 15 de setembro de 2021 com o então secretário de Estado da Energia, João Galamba, na qual este ligou a Vítor Escária “com o propósito de instar este último no sentido de convencer o primeiro-ministro a intervir” na alteração da Zona Especial de Conservação (ZEC) em Sines para viabilizar a construção da totalidade do projeto do ‘data center’.
A primeira fase de construção acabou por ocorrer no limite dos terrenos não abrangidos pela ZEC e foi dispensada a avaliação de impacto ambiental (AIA). Contudo, o resto do projeto precisava de AIA, tendo Vítor Escária garantido ao administrador da Start Campus, Afonso Salema, e a Diogo Lacerda Machado de que “a AlA teria decisão favorável”, o que veio a acontecer.
Entende ainda o MP de que uma conversa entre Vítor Escária e Lacerda Machado, no início de 2023, resultou em pressões sobre a secretária de Estado da Energia, Ana Fontoura Gouveia, “exercidas pelo primeiro-ministro ou por Vítor Escária, mas necessariamente com o conhecimento e concordância do primeiro”, para que aquela governante despachasse as questões relacionadas com o projeto.
Segundo os procuradores, a atuação do ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro terá também sido decisiva no despacho (ainda não publicado) sobre os cabos submarinos, uma vez que a sua conclusão e assinatura, em setembro passado, “foi acelerada" por sua influência por forma a favorecer, pelo menos indiretamente, os interesses da Start Campus, arguida no processo.
A indiciação aponta ainda que Vítor Escária aproveitou-se da proximidade com o primeiro-ministro e pressionou o presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, em benefício dos interesses da empresa.
Vítor Escária está indiciado por tráfico de influência e prevaricação. No seu gabinete foram encontrados cerca de 75 mil euros, com o MP a argumentar que o ex-chefe de gabinete “quis e conseguiu ocultar a sua proveniência ilícita, de modo a reintroduzir o mesmo na economia legítima, bem sabendo que tal quantia decorria da prática de crime”, embora a sua defesa já tenha assegurado que o dinheiro provém de atividade anterior às suas funções.
A operação de terça-feira do MP levou à detenção de cinco pessoas para interrogatório: Vítor Escária, Nuno Mascarenhas, dois administradores da sociedade Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e o advogado Diogo Lacerda Machado, amigo de António Costa.
O ministro das Infraestruturas, João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, e o advogado e ex-governante João Tiago Silveira foram constituídos arguidos.
Na investigação aos negócios do lítio, hidrogénio verde e do ‘data center’ de Sines podem estar em causa os crimes de prevaricação, corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e tráfico de influência.