A pandemia ou a vida “em espera” em Moscovo
22-12-2020 - 07:00
 • Yana Chernyshev*

Moscovo é uma cidade que vive a um ritmo alucinante. A pandemia obrigou os habitantes a abrandar e a reavaliar os seus valores e prioridades. O futuro talvez seja diferente.

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Há cerca de dois anos eu e o meu marido começámos uma família nesta cidade luminosa, dinâmica e cheia de contrastes de Moscovo, que amo com todo o meu coração. A cidade dos meus sonhos tem mudado ao mesmo ritmo que eu, ao longo dos 12 anos desde que me mudei para cá da minha vila nativa e é muito interessante vê-la agora com olhos novos, num período que está a ser tão difícil para toda a gente no planeta, a pandemia.

Não posso continuar sem antes descrever brevemente o que é a vida normal dos moscovitas, sem máscaras nem luvas de latex. Não é possível apaixonar-se por esta cidade, nem gostar dela, se não se viver em sintonia com ela, com o seu ritmo, e se não se obedecer às suas regras e leis, morais e princípios vivos. Estamos sempre a correr, a esforçar-nos, a moldar-nos e a desenvolver-nos numa constante corrida contra o relógio e o tempo é sempre um fator: falta de tempo para quem amamos, falta de tempo para trabalhar, falta de tempo para lazer e descanso. Sentimos constantemente falta desses momentos importantes da vida e arrependemo-nos de ter só 24 horas em cada dia. Sim, é assim a vida em Moscovo, tal como em qualquer megalópole do mundo – ciclos de 24 horas a velocidades alucinantes.

E se por um lado eu não quero que nada mude, ao mesmo tempo não temos tempo de gozar a vida, perdemos momentos importantes. Vivendo a tal ritmo nem sempre conseguimos ver as coisas em perspetiva, analisar e olhar para tudo de um novo ângulo, tomar as decisões certas e, talvez, mudar alguma coisa nas nossas vidas para as tornar melhor. A pandemia em Moscovo colocou este ritmo em espera durante vários meses, obrigou as pessoas a redefinir muita coisa e a encontrar novos valores nas suas vidas. As pessoas sentiram em primeira-mão que nada é mais importante que a vida e que a saúde e apaixonaram-se pela tão esperada liberdade e a vida do outro lado da janela.

Logo no início da pandemia a Rússia fechou as fronteiras das suas regiões para evitar a migração interna e a proliferação do vírus. Todo o trabalho das instituições governamentais e comerciais, lojas, bancos, escolas e jardins de infância parou. As fábricas e a indústria travaram. Negócios tecnicamente evoluídos e aquelas empresas que não dependem de produção ininterrupta adotaram novos formatos de trabalho à distância. E acontece que não sou a única que descobriu que gosto deste novo formato e que encontrou nele enormes vantagens para empregadores e trabalhadores. Os empregadores reduzem as despesas e os trabalhadores aprendem a gerir melhor o seu tempo, para benefício de ambas as partes. É uma nova tendência que trará mudanças para o mundo.

Entretanto, infelizmente, para muitos os tempos da Covid revelaram-se prejudiciais em termos económicos. Há muito tempo que Moscovo, e a Rússia em geral, não têm desemprego tão alto. Pessoas verdadeiramente talentosas encontraram-se na rua e tiveram de começar uma nova busca de si mesmos, que poderá levar ainda muito tempo e não obter resultados imediatos. O tempo dirá para que serviu este tempo de paragem.

Porque tudo precisa de um tempo de paragem: tanto a natureza como o mundo animal e o ambiente estão certamente a beneficiar disto. No ponto mais alto da pandemia a cidade parecia estar a expirar as consequências de milhões de habitantes, transportes e toda a atividade humana agressiva. Expirou de tal forma que nos pátios desertos de Moscovo começaram a aparecer raposas vindas das florestas próximas em busca de comida. Tanto animais com aves apressaram-se a ocupar o espaço deixado pelos homens. A calma e o silêncio dominavam o ar de uma forma completamente incomum para uma metrópole. Afinal de contas, a cidade que nunca dorme “adormeceu” mesmo durante três meses, entre abril e junho.

Na era da alta tecnologia a humanidade convenceu-se que pode fazer tudo: descobrir novos planetas, andar pelo universo, explorar mares e oceanos, fazer novas descobertas em diferentes áreas todos os dias, mas 2020 acabou por pregar uma grande partida a todos: colocou tudo e todos em sentido e clarificou as coisas, mostrando à humanidade que as pessoas são totalmente dependentes.

Há sempre pros e contras e nunca sabemos o que será uma vida ideal, mas graças a estes pontos de viragem eu quero acreditar que muitas pessoas vão ter mudanças de coração e reavaliar os seus valores.

Não quero aqui enveredar por política e economia, nem abordar as questões do sistema de saúde, porque os níveis de qualidade de vida e de cada país e as suas capacidades para lidar com estas situações bastante complicadas falam por si, mas gostaria de deixar uma nota de esperança para todos e desejar-lhes que mantenham a cabeça erguida nestes momentos difíceis e que aproveitem para se tentarem melhorar a si mesmos e que acreditem que este mundo se torna um local ainda melhor através dos esforços de todos.


*Yana Chernyshev tem 29 anos e nasceu no sul da Rússia, na região de Krasnodar. Mudou-se para Moscovo em 2008 para estudar e agora trabalha na Rostelecom, uma empresa pública que fornece serviços digitais a milhões de casas, empresas e instituições.