“Chegamos a pensar que não poderíamos fazer o festival”, confessa Rodrigo Francisco. O diretor do Festival de Teatro de Almada mostra-se, contudo, orgulhoso por terem conseguido por de pé, em tempo de pandemia, a 37.ª edição do evento que arranca no próximo dia 3 e que decorre até dia 26 de julho, com a presença de 17 companhias de teatro.
Esta é, no entanto, uma edição diferente da dos últimos anos, marcada por menos participações internacionais devido às restrições que a Covid-19 veio impor. O Festival de Teatro de Almada conhece assim uma das edições mais portuguesas de sempre.
Rodrigo Francisco explica: “as primeiras edições foram portuguesas, mas estamos a falar do ano de 1984. Realmente, a partir dos anos 90, o festival começou a ser pioneiro na apresentação de espetáculos que viessem de fora e, desde então, esse cariz internacional foi-se marcando cada vez mais. Na impossibilidade deste ano das companhias viajarem, optamos por espetáculos portugueses, alguns deles já estavam programados”.
A abertura faz-se em português e com uma estreia. O Teatro Experimental de Cascais vai a Almada apresentar a peça “Bruscamente no Verão Passado”, de Tennessee Williams, com encenação de Carlos Avilez, que foi homenageado pelo Festival de Almada em 2019.
Mas o programa contempla também outras duas estreias nacionais. A Comuna – Teatro de Pesquisa apresentará “As artimanhas de Scapin”, de Molière, com encenação de João Mota e tradução de Carlos Drummond de Andrade. E A Companhia de Teatro do Algarve leva à cena “Instruções para abolir o Natal”, do canadiano Michael Mackenzie, com encenação de Isabel dos Santos.
A edição 37 do Festival de Almada decorre num prazo mais alargado do que o habitual, até 26 de julho, com mais sessões de cada espetáculo para colmatar a redução da lotação das salas para metade. Este ano não haverá espetáculos ao ar livre, mas há sete salas que se vão encher de teatro com espetáculos com temáticas muito atuais.
Rodrigo Francisco dá como exemplo a peça que Raquel Castro apresenta, “Turma de 95”, uma obra que está nomeada para o Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores, nas categorias de Melhor Texto e Melhor Espetáculo de Teatro, e que parte da experiência enquanto aluna do colégio Salesianos de Lisboa e onde é desenhado o perfil de uma geração e vai à procura dos destinos dos seus antigos colegas da turma de 95.
Outro exemplo é uma peça que aborda a questão da herança colonial, “A grande emissão do mundo português”, que será apresentada pelo Teatrão, de Coimbra, e que aborda o papel que a Emissora Nacional teve na difusão da ideologia do Estado Novo.
“Reunimos nesta edição várias gerações de criadores e várias companhias”, afirma Rodrigo Francisco à Renascença. O também diretor do Teatro Joaquim Benite de Almada acrescenta que a programação deste ano conta “com os dois teatros nacionais, o S. João do Porto e o D. Maria II de Lisboa e as companhias independentes”. “É uma forma de tomar o pulso ao teatro português e também de dar uma oportunidade aos criadores de regressarem aos palcos e encontrarem-se com o público”, assegura Rodrigo Francisco.
Ator Rui Mendes homenageado pelo Festival de Almada
Depois de no ano passado ter prestado homenagem ao encenador Carlos Avillez, este ano o Festival de Teatro de Almada homenageia o ator Rui Mendes.
“É um ator que é já uma referência para várias gerações de espetadores, colegas de teatro, televisão e cinema”, indica Rodrigo Francisco. Para destacar o trabalho de Rui Mendes será apresentada no foyer do Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, a exposição intitulada “O ator que queria ser sinaleiro”, criada por José Manuel Castanheira.
“A exposição vai de encontro ao que se vive hoje em dia. É uma espécie de exposição ‘take away’ em que as pessoas poderão levar para casa uma parte dessa exposição”, explica o diretor do Festival de Almada, cujas assinaturas e bilhetes já estão à venda.
Para a edição deste ano, cuja imagem do Festival foi criada pelo artista plástico Pedro Proença, mobilizaram-se várias companhias. Questionado sobre a forma como reagiram os artistas ao desafio do festival para participar, Rodrigo Francisco diz: “houve uma grande colaboração das companhias que vêm este ano. Os criadores portugueses estão sequiosos de voltar a representar e adaptaram-se a estas condições que nós podíamos oferecer”.
Há companhias que aceitaram fazer mais de um espetáculo por dia, já que é a única forma de conseguir que mais público possa ver as peças, devido à limitação da capacidade das salas. “Não é fácil ter de apresentar duas sessões no mesmo dia ou ter de prolongar as carreiras dos espetáculos quando nós dispomos do mesmo orçamento e tivemos de aumentar para o dobro as sessões”, conclui Rodrigo Francisco.
Embora este ano não haja o habitual palco grande exterior na Escola D. António da Costa, o festival não abdicou do contato com o público. “Uma coisa que vamos manter é as conversas com o público nos colóquios na esplanada”, refere o responsável, que sublinha que em tempo de distanciamento social haverá 14 conversas em que os criadores vão conversar com o público.
“Esse diálogo é muito importante e foi das coisas que mais falta fez durante este confinamento”, explica Rodrigo Francisco, que lembra que, durante o tempo de isolamento, telefonaram a todos os assinantes habituais do festival para saber se valeria a pena fazer a edição deste ano e se, ela acontecesse, estavam disponíveis para ir. “Mais de metade respondeu inequivocamente que sim!”, por isso conclui o diretor: “O festival vai ser feito mais do que para os atores, sobretudo para os espetadores”.