Está confirmado. Dois meses depois de ser criada, a Fundação Livraria Lello comprou o quadro “Descida da Cruz”, de Domingos Sequeira, e anunciou que vai expor a obra no Mosteiro de Leça do Balio, no Porto, no dia 18 de maio – Dia Internacional dos Museus.
Esta quarta-feira, no Palácio Nacional da Ajuda, foi assinado o memorando entre a Fundação e o Estado que prevê que o quadro seja colocado em exposição num ou mais museus nacionais, embora ainda não sejam conhecidos quais. É admitida também a hipótese de itinerância da peça pelo país e pelo estrangeiro, com empréstimos a instituições internacionais.
Na conferência em que o quadro estava exposto, Rita Marques, presidente da Fundação Livraria Lello e ex secretária de Estado do Turismo avançou que esta aquisição “é um grito de alerta”, até porque explicou que, na sua opinião, “nos últimos dias, fruto da agenda política, pouco ou nada se tem falado de cultura”.
A cultura deve merecer a atenção individual e coletiva de todos nós, sejamos entidades públicas e privadas, porque na visão da Livraria Lello, a cultura é sinónimo de bem-estar, felicidade e prosperidade”, explicou Rita Marques que não avançou o valor pelo qual a obra foi comprada.
“A “Descida da Cruz” é mais do que uma obra-prima; é um símbolo da nossa herança e identidade. Trazer esta obra de volta para Portugal e disponibilizá-la ao público é um privilégio e uma responsabilidade que assumimos com grande honra", disse a presidente da fundação, Rita Marques.
A ocasião foi aproveitada pelo ainda ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva para, como classificou nesta “última oportunidade” deixar uma mensagem política. De saída do ministério, o responsável falou da participação dos privados na cultura, um “domínio no qual mantemos um atraso muito significativo”.
Segundo Adão e Silva, “isso é um sintoma que nos deve preocupar”. Na sua opinião do titular da pasta, “o Estado e o ministério da Cultura têm alguma autoridade hoje para apelar a que mais privados que se juntem a esta responsabilidade e esforço”.
O ministro que sublinhou que foi o mecenato privado que tornou “possível encontrar uma solução para voltar a colocar o Sequeira no lugar”, defende que “a fruição deve ser assegurada por todos e não só pelo Estado”. Para o responsável, é necessário “fazer com que os portugueses regressem aos museus”.
O quadro “Descida da Cruz” não era exposto desde 1996, explicou Pedro Sobrado. O presidente da Museus e Monumentos, E.P.E explicou que “os museus têm ainda espaços em branco”, mas que “este memorando não é um paliativo para serenar lacunas”.
Dizendo que “não está excluído o empréstimo ao estrangeiro”, desta obra final de Domingos Sequeira, Pedro Sobrado acrescentou ainda que no que toca ao negócio da compra o Estado foi “até onde podia”.
“Um privado pode ir mais longe, mas não o fez sozinho, aliou-se ao público”, sublinhou Sobrado que criticou um “protecionismo serôdio” e considerou que publico e privado são “a “cara e coroa da mesma moeda” que devem agir em conjunto.
“Os cínicos dirão que o desfecho foi um golpe de sorte. Não os vamos desmentir, mas não devemos olhar para as coisas inesperadas como interrupções da vida real”, afirmou o responsável da Museus e Monumentos que tomou posse há pouco mais de dois meses.
Também presente na conferência esteve António Filipe Pimentel, atual diretor do museu Gulbenkian e que foi diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), e responsável pela campanha pública de aquisição de outra obra de Domingos Sequeira para o acervo do MNAA.
Pimentel explicou que “Descida da Cruz”, tal como “Adoração dos Magos” “são obras finais e magistrais de Domingos Sequeira. São o seu testamento pictórico e obras de excecional valor”. Justamente por isso, o historiador de arte defendeu “sua vinda para Portugal”. “As peças mais valiosas devem estar no nosso país. Devem ser estudadas por nós”, disse.
Questionado pelos jornalistas no final da conferência sobre o processo de classificação do quadro “Descida da Cruz”, o ministro da Cultura remeteu esclarecimentos para mais tarde. “Tudo isso decorrerá do entendimento entre a Fundação Livraria Lello e a Museus e Monumentos”, disse Pedro Adão e Silva.
Contudo, o ministro reiterou que não vê “como boa prática para estimular esta relação de confiança entre o Estado e os privados que o Estado classifique sem antes articular e dialogar com os privados. Isto é uma quebra na relação de confiança, quando nós precisamos é de consolidar essa relação de confiança”.
A saída da obra de Portugal esteve envolta em polémica desde o final do ano passado, em consequência do que o ministro da Cultura classificou como uma "lamentável falha dos serviços" da Direção-Geral do Património Cultural.
Em fevereiro, a secção portuguesa do Conselho Internacional de Museus (ICOM-Portugal) manifestou, junto do governo, indignação com a saída do quadro "Descida da Cruz" do território nacional, que tinha sido também expressa anteriormente por um grupo de 12 especialistas da área do património. Em resposta, a secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro, assegurou estarem em curso "todos os esforços" para conhecer as "eventuais condições de compra” da obra.
No dia 12, o Governo anunciou a compra do quadro por uma instituição privada portuguesa, na feira de arte e antiguidades de Maastricht, com vista a expô-lo num museu nacional.