Faz esta terça-feira nove anos que a paquistanesa Asia Bibi foi detida, por um caso de contornos bizarros, acusada de ter violado a lei da blasfémia, insultando Maomé, o que no Paquistão pode conduzir a pena de morte.
Em 2009, Asia Bibi estava integrada num grupo de mulheres que trabalhavam no campo. Bebeu água de um poço e, sendo a única cristã do grupo, foi acusada por algumas das muçulmanas de ter contaminado o poço por ter bebido dele. Acabou por ser presa por, alegadamente, ter insultado Maomé e hoje continua atrás das grades, separada do marido e dos cinco filhos.
Asia Bibi está longe de ser a única vítima da lei que pune a blasfémia no Paquistão, mas as particularidades do seu caso tornaram-na um símbolo. Num país em que muitos dos acusados deste crime acabam por ser assassinados na prisão ou depois de terem sido libertados, esse estatuto poderá ter ajudado a mantê-la viva, mas, por outro lado, pode estar a dificultar a sua libertação.
Uma das organizações que mais tem feito para manter vivo o caso de Asia Bibi é a fundação Ajuda a Igreja que Sofre. Catarina de Bettencourt Martins, que dirige o ramo português desta organização católica, mostra estar consciente deste dilema.
“A posição da AIS tem sido sempre, ao longo dos anos, estar ao lado desta mulher e tentar fazer tudo para que ela, e todas as outras pessoas presas por causa da lei da blasfémia, tenham apoio tanto da Igreja local como dos advogados que a Igreja contrata para as ajudar. E a verdade é que ao longo destes nove anos foram muitas as pessoas acusadas, e algumas foram libertadas. No caso dela não tem sido. E podemos – e devemos – perguntar se de facto esta atenção internacional que nós, AIS e outras instituições, temos chamado para este caso terá sido, ou não, prejudicial”, considera.
“Por outro lado, também temos o 'feedback' da própria, que diz que também só está viva porque houve esta atenção especial para o seu caso”, acrescenta.
Neste momento Asia Bibi aguarda que o seu caso seja revisto pelo presidente do Supremo Tribunal do Paquistão, mas as datas para o que parece ser o final de um caso polémico têm sido continuamente adiadas.
Para as autoridades paquistanesas Asia Bibi tornou-se uma bota muito difícil de descalçar. Por um lado estão a sofrer pressões enormes internacionais para a libertar, incluindo dos Estados Unidos, mas por outro qualquer cedência será vista como um sinal de fraqueza pelas forças islâmicas radicais, que têm uma enorme influência no país e que não permitem que se discuta sequer uma reforma da lei da blasfémia.
A verdade é que apesar de a lei o prever, nunca ninguém foi executado por blasfémia no Paquistão, mas ao mesmo tempo a mera acusação constitui uma ameaça, e várias pessoas foram assassinadas na prisão ou, nalguns casos, quando se encontravam em liberdade, tendo sido ilibados.
Saúde muito débil
Enquanto espera pelo resultado da avaliação do supremo tribunal paquistanês, a saúde de Asia Bibi vai piorando. “É muito débil, vive em condições terríveis, porque está muito tempo na sua cela, para ser protegida da comunidade que está na prisão com ela. Passa muitas horas fechada”, diz Catarina Martins.
Ainda assim, este ano a reclusa teve uma agradável surpresa, ao receber um presente enviado diretamente de Roma, pelo Papa.
“Em Fevereiro deste ano a família - o marido e uma das filhas - esteve com o Papa e o Papa deu-lhes um terço para entregar a Asia Bibi, e foi a primeira vez que foi permitido ela receber um objeto religioso na prisão. Ela disse que o melhor presente que poderia ter recebido foi o facto de, através das orações, não nos termos esquecido dela ao longo destes nove anos. Portanto acredito que lhe demos mais um momento de força e de coragem para continuar neste combate, apesar da sua debilidade física e psicológica, como é óbvio”, diz.
Entretanto, considera a representante da AIS em Portugal, os interessados devem continuar a exercer pressão sobre o Paquistão para que a lei seja mudada e Asia Bibi possa ser uma mulher livre. Quem acredita, não deve também deixar de rezar.
“É continuar a chamar atenção para esta lei da blasfémia, não tanto só para ela, mas para todas as Asia Bibis que estão presas nas prisões do Paquistão por causa desta questão. Devemos continuar a chamar atenção para esta lei, e devemos continuar, os nossos governos, a nível internacional, a fazer pressão sobre o Governo do Paquistão, no sentido de que esta lei seja reavaliada.”