Dezenas de cruzes suásticas apareceram pintadas no centro de Vila Nova de Gaia. Não foi possível apurar em que dia foram feitas, mas a sua presença começou a ser notada na última semana, com especial incidência na zona da estação de metro de General Torres e em ruas transversais. O símbolo, de carácter antissemita, foi pintado também junto à entrada da Escola Secundária António Sérgio.
Junto às cruzes suásticas podia ler-se a frase, várias vezes replicada, “Free Palestine”, palavra de ordem associada aos movimentos pró-Palestina, cuja voz se voltou a ouvir com força depois do reacender do conflito Israel-Hamas, a 7 de outubro.
As cruzes feitas na envolvente de General Torres foram entretanto removidas, embora de forma imperfeita, pois, apesar da limpeza realizada, algumas continuavam a ser visíveis na segunda-feira. A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia não quis prestar declarações sobre o assunto.
"Não quero acreditar que seja uma brincadeira e, sobretudo, acho que as autoridades não devem tratar isto como se fosse uma brincadeira", diz André Inácio, do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT).
O investigador realça o "impacto fortíssimo" que a cruz suástica tem na criação de um "sentimento de insegurança na sociedade", sobretudo depois do início da guerra no Médio Oriente.
Contactado pela Renascença, o Movimento Pelos Direitos do Povo Palestino (MPPM) demarcou-se das pinturas, negando qualquer responsabilidade. “Rejeitamos e condenamos liminarmente todo este tipo de gestos da forma mais veemente e sem qualquer hesitação”, afirmou Carlos Almeida.
Para o dirigente do movimento, defender os direitos do povo palestiniano “não é uma questão religiosa, é uma questão política”, tanto mais que “a população palestina é judia, muçulmana e cristã”.
Por seu turno, uma representante da comunidade judaica do Porto, Gabriela Cantergi, considera que este tipo de “manifestações antissemitas” têm de ser olhadas “com muito cuidado”.
“Existe um alerta na segurança da comunidade judaica do Porto e nas comunidades judaicas em geral”, sublinha.
Cantergi lamenta que “exista uma grande confusão entre o que é ser um judeu, o que é ser um israelita e o que é concordar com o governo” do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, mas explica que há um antissemitismo latente na Europa.
“Basta que exista algum facto no Oriente Médio para que esse antissemitismo, que está ou adormecido ou um pouco silencioso entre as gerações, surja com força."
"Ou se tomam medidas ou estas coisas vão estar pela Europa toda”
O OSCOT vê sinais de que o “sentimento de intolerância está a crescer" e mostra “preocupação” com o aparecimento deste tipo de fenómenos em Portugal.
“Cada vez que temos uma manifestação a favor da Palestina ou a favor de Israel, estamos a suscitar ódios da parte oposta" e a "contribuir para a radicalização", defende o especialista em segurança, André Inácio.
Diversos fatores, como a utilização intensiva das redes sociais, a degradação da saúde mental dos jovens e, em particular, dos estudantes universitários, facilitam o trabalho de grupos organizados de ambas as partes, cujo objetivo não é contribuir para uma solução, mas alimentar o ódio e a intolerância.
“Tudo o que sejam manifestações de rua são apenas e só instrumentos para fomentar e potenciar o ódio e toda uma situação de descontentamento e de instabilidade na comunidade”, remata.
Em Portugal, o fenómeno da intolerância não é tão intenso, garante André Inácio, “mas em França, na Alemanha, no Reino Unido, nós temos sinais evidentes. Estão a ser atacadas mesquitas. Estão a ser atacadas sinagogas. Estão a marcar as casas das pessoas e isto é um fenómeno que alastra, isto é um fogo descontrolado. Portanto, ou se tomam medidas ou estas coisas vão estar pela Europa toda”.
No nosso país, lembra o professor universitário, a apologia do nazismo não é crime, ao contrário do que acontece na Alemanha e na Áustria. Mais recentemente, o Brasil aprovou também legislação nesse sentido.
Ainda assim, a pichagem da cruz suástica pode ser enquadrada, em termos legais, como “um crime de incitamento ao ódio” previsto no artigo 240º do Código Penal, diz o especialista. A pena para este delito oscila entre os seis meses e os cinco anos.
“É preciso que cada um destes sinais que surgem sejam investigados, que os seus autores sejam identificados e que tenham consequências. Temos de agir com proporcionalidade e adequação, mas temos que agir. Não podemos ficar à espera que passe, porque isto só cresce”, declarou.
Neste sentido, as autoridades têm que atuar com diligência. Gabriela Cantergi, da comunidade judaica do Porto, garante que “as instituições responsáveis estão atentas".
A 11 de outubro, quando a entrada da sinagoga do Porto foi vandalizada, a polícia abriu um inquérito para apuramento dos factos. Sobre o mesmo, no entanto, a representante admite não ter “nenhuma informação”.
Sobre o caso mais recente, de Vila de Nova de Gaia, fonte da PSP local adiantou à Renascença não ter recebido qualquer queixa, sem adiantar mais informações.
A poucos metros dos locais onde foram feitas as pinturas, encontra-se um mural de homenagem a Aristides de Sousa Mendes.
Se os autores das pichagens com as cruzes suásticas conhecem ou não a história do cônsul português não é possível saber.
Aristides salvou da perseguição nazi milhares de judeus e é considerado um dos "Justos Entre as Nações" pelo Centro Mundial de Memória do Holocausto, Yad Vashem.