Miguel Araújo, professor da Universidade de Évora, espera que o estudo “Biodiversidade 2030: contributos para a abordagem portuguesa para o período pós-metas de Aichi” seja uma “ponta de lança” para propor novas iniciativas que ajudem na adoção de políticas nacionais na área da conservação da biodiversidade.
“Nas últimas décadas foi o parente pobre das políticas de Ambiente, teve pouca atenção. Nos últimos anos tem um bocadinho mais, mas há muito a fazer”, alerta, em conversa com os jornalistas no final da sessão de assinatura do protocolo e apresentação do trabalho “Biodiversidade 2030”.
O especialista admite que a equipa (constituída por professores de diversas universidades do país) está cheia de ideias. E lança uma delas como exemplo: “toda a gente fala em biodiversidade e alterações climáticas, mas surpreendentemente, não há um país no mundo que tenha um a política de biodiversidade adaptada às alterações climáticas. Se conseguirmos levar as nossas ideias a bom porto, Portugal poderá ser o primeiro a avançar com medidas concretas nesta área”.
Quem estraga, paga; quem preserva e cria, é recompensado
Outra ideia que ainda está em fase de estudo mais aprofundado é a remuneração dos serviços dos ecossistemas. “Hoje em dia estragar a biodiversidade é muito barato”. Propõe, por isso, que se torne bem mais caro. “Terá duas consequências: ou deixam de o fazer ou têm que pagar por isso. Se pagarem, esse dinheiro pode servir para remunerar/recompensar quem preserva e cria biodiversidade, nomeadamente alguns agricultores que usam práticas agrícolas sustentáveis ou quem faz uma exploração florestal sustentável. Será remunerar atividades que têm um preço que, como sabemos, é tudo menos remuneração económica”.
A obtenção de alimentos é uma grande fonte de ameaças para a biodiversidade: “há um conflito entre a necessidade de nos alimentarmos (e comemos cada vez mais) e a preservação da biodiversidade. É preciso encontrar um equilíbrio e por isso grande parte das ações que pensaremos em termos de remuneração dos serviços dos ecossistemas estarão alinhadas para a intervenção no sector da alimentação”, revela Miguel Araújo.
O coordenador do estudo admite que não são ideias completamente inovadoras, já há algumas experiências realizadas na Austrália, África do Sul e Finlândia e a sua adoção a Portugal e mesmo à Europa terá de ser reequacionada.
O estudo está dividido em cinco eixos fundamentais: Biodiversidade e Clima; Biodiversidade e Território; Biodiversidade e Áreas Interiores; Biodiversidade e Oceanos e Biodiversidade e Pessoas.
Em relação aos oceanos, Miguel Araújo diz que um dos objetivos é identificar 30% da Zona Económica Exclusiva portuguesa, classificando-a como área protegida marinha para preservar a biodiversidade.
Ou seja, em linha com os objetivos da Estratégia para a Biodiversidade da União Europeia para 2030 e que, nomeadamente, apela ao esforço de, pelo menos, se proteger 30% das terras e mares da UE.
Não há um m2 de território a mais em Portugal
O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes admite que antes houve outras prioridades na política ambiental, mas agora, alguma coisa está a ser feita. Mostra-se convicto que, com este estudo, será possível mostrar que o país, “na sua fecundada diversidade, não tem um metro quadrado de território a mais. Todo o território tem que ter um projeto e vai tê-lo”, garante.
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) viu o quadro de efetivos reforçado com mais vigilantes e meios. Por outro lado, este ano começaram a ser feitos os pagamentos dos serviços dos ecossistemas. Segundo o Ministro, catorze projetos na Serra do Açor e Parque Natural do Tejo Internacional receberam 3,4 milhões de euros.
Números que nos devem fazer pensar e mudar comportamentos
Quinhentos anos depois da viagem de circum-navegação de Fernão Magalhães, os mares estão muito diferentes: “em vez de peixes voadores, vemos o lixo de uma sociedade de desperdício acumular-se em linhas flutuantes e entrar na dieta alimentar de muitos organismos e os recursos a diminuírem”, alertou o Ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos.
Em cinco séculos a população mundial aumentou 14 vezes, vai em quase oito mil milhões de habitantes. Três quartos da superfície terrestre não gelada foi alterada pela atividade humana. Mais de 85% das regiões húmidas interiores e costeiras perderam-se.
O planeta está sobrepovoado e a biomassa de apenas uma das espécies – o Homem – é vinte vezes superior à de todos os mamíferos selvagens, frisou Serrão Santos. Números complementados e reforçados por Miguel Araújo: a biomassa humana representa 36% dos mamíferos do planeta; 60% provém do gado, especialmente bovino e suíno. “O Planeta é dominado por vacas e porcos”, conclui o especialista.
E combinando terra e mar, 96% dos mamíferos são humanos ou servem de alimento à Humanidade.
“Não é o estigma da pandemia que nos fará baixar os braços. Aliás, deve incentivar-nos ainda mais”, desafia o ministro do Mar.