A Universidade de São José (USJ), em Macau, que está tutelada pela Universidade Católica Portuguesa e a Diocese de Macau, vai poder passar a ter alunos da China continental.
É uma autorização importante para a instituição, fundada em 1996, e que até agora era a única das quatro universidades em Macau que não podia recrutar alunos dessa parte da China.
“Trata-se, antes de mais, de um passo importante para a sobrevivência da Universidade de São José. Até agora, ela podia apenas recrutar alunos de Macau, Hong Kong e de outras partes do mundo. Dada a reduzida população do território e a limitada projeção internacional do ensino superior de Macau, tornava-se difícil assegurar um número sustentável de alunos sem acesso a candidatos da China continental. Durante o período experimental, 30 alunos poderão inscrever-se por ano em mestrados e doutoramentos na USJ, o que irá viabilizar alguns dos cursos”, explica o padre Peter Stilwell que foi o reitor de 2012-2020, quando foi sucedido pelo diácono Stephen Morgan.
O padre Peter não duvida que a resistência inicial do Governo chinês se prendia com a natureza católica da instituição e aponta como um possível motivo recente para essa desconfiança os protestos em Hong Kong. “Muitos dos jovens líderes dos protestos em Hong Kong vinham de instituições de ensino cristãs. O Governo chinês terá querido assegurar-se que a única universidade católica em território da RPC não iria replicar o ‘vírus’ de HK e alimentar alguma agitação social.”
O facto de essa desconfiança ter sido ultrapassada em Macau, a respeito da Universidade de São José, é um bom prenúncio. “A Universidade de São José é a única que, tendo uma ligação a Portugal e um estilo de ensino ocidental, prolonga verdadeiramente a tradição do ensino superior da Igreja em Macau – que remonta ao Colégio de São Paulo, fundado naquela cidade pelos jesuítas no final do século XVI. Isso interessa às autoridades. Têm bem presente que a Igreja Católica esteve na origem das universidades europeias. Mas inquieta-as o porquê desse investimento no ensino. Observando a USJ, puderam ver que os propósitos de uma universidade católica não são de proselitismo, mas de aprofundar o saber e de promover um diálogo inteligente e fraterno entre culturas”.
A autorização dada pelo Governo chinês não abrange, contudo, os cursos de Filosofia e de Teologia. Esses continuam vedados aos alunos da China continental, havendo mesmo um compromisso de que não pedirão transferência para essas áreas depois de matriculados na Universidade.
As razões são puramente políticas, diz o padre Peter, que recorda uma visita a Pequim que fez em janeiro de 2020. “Nessa altura, reunimos com representantes do departamento do Governo que supervisiona os assuntos religiosos. Foram muito simpáticos. Disseram que da parte deles não havia qualquer obstáculo ao recrutamento de alunos, e que havia mesmo interesse em fomentar a investigação nas áreas do religioso. Reunimo-nos também com representantes da Conferência Episcopal Chinesa, que foram muito acolhedores e se mostraram entusiasmados com a possibilidade de enviar alguns dos seus melhores seminaristas para completarem os estudos na Universidade de São José, a fim de obterem graus canónicos em Teologia, reconhecidos pela rede internacional de universidades católicas. Até especularam com a possibilidade de se organizar na USJ uma formação intensiva em inglês para bispos da China que, graças ao acordo com a Santa Sé, são agora convidados para congressos e encontros um pouco por todo o mundo.”
Embora esperançoso de seja possível dar mais esses passos, o padre Peter recorda que tanto a Santa Sé como a China pensam relações institucionais em termos de décadas e de séculos, e não de ciclos eleitorais.