“Todos sabemos que a inflação está a aumentar, já está acima de 4%, em fevereiro. O problema é que isto não vai ficar por aqui, ainda vai aumentar mais”, afirmou Nuno Alves, do Observatório da Cáritas, durante a apresentação do relatório europeu sobre “Mercados de Trabalho Inclusivos”.
O responsável não esconde a preocupação com a subida dos preços, pelo que significa para quem já passa dificuldades. “Isto tem um peso maior no consumo dos mais frágeis. Estamos a falar dos bens alimentares, energéticos, nomeadamente eletricidade”, declarou.
Outro problema, sublinhou, é que muitos aumentos salariais e de pensões estão indexados à inflação do ano passado, que foi de 1%, o que significa que esses aumentos não vão compensar o agravamento do custo de vida. E deu exemplos: “os desempregados, os reformados, as pessoas que têm rendimentos indexados ao indexante de apoios sociais, todos vão ser aumentados 1%, mas vão enfrentar uma inflação que na média vai ser maior do que estes 4%, mas que para si, individualmente, para o seu cabaz de alimentação, vai ser maior do que isso”.
Na apresentação do relatório da Cáritas Europa, Nuno Alves sublinhou alguns dados sobre a situação em Portugal. Por cá, como nos restantes países analisados, ter trabalho ainda “não é condição suficiente” para evitar o risco de “exclusão material e social”. Em 2021, 2,8% das pessoas empregadas estavam nessa situação.
“Por vezes desvalorizamos estes números pequenos, mas 2,8 não é baixo, e atrás deste número estão muitas centenas de milhar de pessoas”, sublinhou Nuno Alves.“Há muito mais a fazer”
O relatório “Mercados de Trabalho Inclusivos” analisou a situação em 18 países europeu, incluindo Portugal. O estudo, que já tinha sido divulgado em fevereiro pela Cáritas Europa, foi esta quinta-feira apresentado em Oeiras, na paróquia de S. Julião da Barra.
O documento mostra que a pandemia agravou a situação de quem já estava em risco de exclusão antes. Por cá, como no resto dos países, os migrantes, as mulheres, os trabalhadores jovens e os mais velhos, os ciganos, as pessoas com deficiência e os cuidadores informais, são os mais discriminados e explorados no mercado de trabalho.
Em declarações à Renascença e à Ecclesia, Shannon Pfohman, da Cáritas Europa, elogiou os apoios que foram concedidos durante a pandemia, mas disse que é preciso ir mais longe e reforçar, nos vários países, os sistemas de proteção social que existem.
“O que o nosso estudo mostra é que o mercado de trabalho, por si só, não é a solução. Há pobreza entre quem trabalha, devido à prevalência da precariedade laboral, e muitas pessoas lutam para pagar as suas despesas, por isso recorrem cada vez mais aos serviços das Cáritas. O que sublinhamos aqui é que há muito mais a fazer para garantir um sistema forte de proteção social, para que as pessoas tenham acesso a um rendimento mínimo para sobreviverem, mesmo que não tenham trabalho, e que os que trabalham sejam capazes de ter garantido um salário mínimo que lhes permita ter uma vida digna”, afirmou.
Shannon Pfohman admite que os vários Estados-membros da União Europeia “já fizeram muita coisa, para garantir um alívio temporário a quem perdeu o emprego”, mas lembra que muitas das ajudas foram mais para as empresas do que para os trabalhadores.
Confia que, “ainda este ano, seja adotada a Diretiva do Salário Mínimo”, mas é preciso “valorizar a capacitação das pessoas, melhorar as suas qualificações laborais”.
Lembra que “está também a ser discutida a criação de uma plataforma sobre o trabalho irregular, que não é declarado, e há mais a fazer por parte das autoridades europeias do trabalho em termos de fiscalização”.
Espera avanços em relação aos cuidadores informais, e que sejam aprovadas “soluções que garantam mais cuidado e melhores condições de trabalho para os portadores de deficiência”.
Em plena Semana Nacional da Cáritas, Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa, lembrou que a grande vantagem da instituição é estar “próxima das pessoas”.
“Todas as vulnerabilidades são para nós motivo de preocupação, mas estamos atentos”, garantiu, renovando o apelo à ajuda dos portugueses. “O peditório online está ativo, começou hoje o de rua, e este ano mais do que nunca precisamos de ajuda, porque com a pandemia e agora a guerra, há aqui uma complexidade diferente, de sobreposição de apelos a que temos de responder, e a situação não é fácil. Para conseguirmos apoiar também precisamos que nos apoiem, e sugiro que vejam em caritas.pt como é que o podem fazer.”