Garcia Pereira. "Não faz sentido" mudar regime da instrução a reboque da Operação Marquês
17-04-2021 - 09:57
 • Marina Pimentel

Edição deste fim de semana continua a analisar as ondas de choque motivadas pela decisão instrutória da Operação Marquês com o advogado António Garcia Pereira, o professor Tiago Geraldo e António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

O advogado Garcia Pereira diz serem “inaceitáveis” as declarações feitas pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, dois dias antes da leitura da decisão instrutória do processo Marquês.

Em entrevista à agência Lusa, Joaquim Piçarra disse que a fase de instrução não podia ser um pré-julgamento, ao mesmo tempo que defendia a extinção do Tribunal Central de Instrução Criminal. Afirmações que, pelo momento em que surgiram, foram lidas como uma crítica ao juiz Ivo Rosa.

Garcia Pereira “repudia” a posição do presidente do Supremo, classificando-a como “uma forma de pressão inaceitável sobre o juiz de instrução”.

Quanto ao facto de a decisão instrutória do processo em que José Sócrates é o principal arguido ter demorado mais de dois anos e ter mais de quatro mil páginas, diz que “o tamanho da decisão instrutória só reflete o gigantismo da acusação”.

O advogado entende que “não faz qualquer sentido” fazer mudanças no regime da instrução, a reboque do processo que tem Sócrates como principal arguido. Desde logo porque o que acontece com o processo Marquês” não reflete o que sucede na maioria dos casos, em que a instrução é uma mera farsa”.

Limitar a fase instrutória aos casos de arquivamento ou impedir que haja produção de prova, como defende o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, “não só não faz sentido”, segundo o advogado Garcia Pereira, “como é também inconstitucional”.

Também Tiago Geraldo, advogado e professor de Direito Penal na Faculdade de Direito de Lisboa, afirma que, ao contrário da ideia que foi transmitida pelo presidente do Supremo, a fase de instrução” não se transformou na prática num pré-julgamento. A realidade é exatamente o contrário. A maioria dos juízes, que no final da acusação avalia se há prova suficiente para levar os arguidos a julgamento, reduz a instrução a um mero ritual de passagem.

Defende, por isso, que impedir que na instrução haja produção de prova, como propôs o conselheiro Joaquim Piçarra, é “uma declaração de óbito para algo que já está moribundo”.

António Ventinhas defende igualmente que “a fase de instrução deve continuar”, mas trata-se “de uma opinião pessoal que não reflete a posição da direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público”.

O presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, que para a semana cessa funções, entende, contudo, que “na instrução não devem ser autorizadas diligências que já foram feitas durante o inquérito.”

Quanto aos megaprocessos e à responsabilidade que têm pela morosidade da Justiça, o advogado e professor de Direito Penal Tiago Geraldo entende que não é só uma questão de estratégia por parte do Ministério Público, é sobretudo um resultado do princípio da legalidade que impõe aos procuradores que investiguem todos os indícios de crime de que têm conhecimento. Diz por isso que “devíamos abandonar a versão atual extrema, temperando-a com mecanismos e critérios de oportunidade, que permitissem ao Ministério Público separar o trigo do joio e concentrar a investigação nesse trigo. A solução para os megaprocessos passa por abandonar a versão atual do princípio de legalidade, que transforma os procuradores em acumuladores de factos, de provas, de arguidos e de indícios de crimes”.

O programa Em Nome da Lei vai para o ar na rádio este sábado, às 12h00, com repetição à meia-noite.