A Comissão Independente para o Estudos dos Abusos Sexuais de Menores na Igreja validou até agora 338 testemunhos e excluiu 29. Os dados foram revelados, esta quinta-feira, em conferência de imprensa.
Num balanço antecipado dos primeiros seis meses de trabalho, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, que lidera a Comissão, confirmou que até agora foram enviados para o Ministério Público 17 casos, todos de abusadores "que eventualmnete ainda estão no ativo, e dizem respeito a vários dioceses do país".
No encontro com os jornalistas, que decorreu na Fundação Gulbenkian, aquele responsável adiantou, ainda, que está tudo a postos para que o grupo de investigadores possa começar a estudar os arquivos da Igreja.
"Estão finalmente abertas as portas - e isto é que nos interessa - para que, conforme programação e metodologia de trabalho proposta à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) pelo Grupo de Investigação Histórica, se possa começar efetivamente a estudar os arquivos eclesiásticos de 1950 até à atualidade", referiu.
Segundo Pedro Strecht, já houve reuniões com as direções da CEP e da CIRP (Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal), e "as notas metodológicas relativas ao trabalho arquivístico, bem como a ficha de inquérito preliminar a realizar na fase 1 de levantamento de dados, já foram enviadas a todas as dioceses, institutos religiosos e sociedades de vida consagrada”.
O pedopsiquiatra referiu, ainda, que a Comissão Independente enviou uma nota à Conferência Episcopal em que sugere que os bispos materializem o pedido de perdão as vítimas. "Justamente para que sobre estes testemunhos, e o consequente número de vítimas que virá mais tarde a ser conhecido, não reste apenas resignação. Isto diz respeito à necessidade - para nós inequívoca - de ser pensada pelos senhores bispos a possibilidade de materialização desta mensagem e do seu significado, através de uma forma simples, digna, pública, mas para que a mesma não se esgote em palavras, que em breve tempo poderiam voltar a perder o seu verdadeiro e profundo sentido".
Maioria das queixas são de homens, com mais de 45 anos
Na conferência de imprensa participaram os membros da Comissão Independente. À socióloga Ana Nunes de Almeida coube apresentar os dados recolhidos até agora no estudo. Dos 338 testemunhos validados, 40% são de mulheres, 57% de homens, havendo também quem não tenha querido identificar-se. A socióloga adiantou ainda que 30% da amostra recolhida diz respeito a pessoas que têm até 45 anos.
Questionada pela Renascença, a propósito do método que permite quantificar o número de vítimas, Ana Nunes de Almeida disse que o objetivo é ter uma ideia do universo de crianças abusadas que são "reportadas a partir dos nossos testemunhos", mas não fazer uma extrapolação como a que surgiu na imprensa desta quinta-feira, e que se assemelha ao método usado em França.
"Chegou-se ao número 1500, porque fizeram o cálculo com base em declarações do Pedro (Strecht)", o presidente da Comissão, que afirmou que "isto é uma ponta do iceberg, dá para aí 25 por cento dos casos. É fácil de fazer a extrapolação, mas não vamos fazer uma extrapolação tão básica e tão pouco rigorosa", garantiu.
Outro membro da Comissão, o psiquiatra Daniel Sampaio, voltou a frisar que o tema dos abusos é transversal à sociedade e pediu maior empenho de todos. "É que se foi a Igreja católica que teve este passo, no sentido de estudar os abusos no seu seio, é preciso que a sociedade também o faça. Não podemos ficar por este relatório e por este estudo. O abuso sexual é uma questão muito importante das sociedades atuais, e eu apelo aos senhores jornalistas para que continuem a noticiar, não só as questões dos abusos sexuais na Igreja, mas outras situações que tenham conhecimento ou possam investigar. O abuso sexual é um problema global, transversal em todas as sociedades”.
Neste encontro com os media, o padre José Manuel Pereira de Almeida – vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa - e os apresentadores Carolina Patrocínio e Manuel Luis Goucha, emprestaram a sua voz para ler testemunhos de vítimas de abuso sexual no seio da Igreja, chamando assim a atenção para a importância da denúncia.