O preço dos alimentos vai subir 12% a partir de janeiro. É essa a convicção de Carlos Lobo, fiscalista e antigo secretário de Estado de Teixeira dos Santos, que à Renascença diz que é isso que tem acontecido em todos os países que aplicaram 0% de IVA num cabaz de bens essenciais e depois revogaram a medida, levando os preços a disparar para o dobro do valor da taxa.
"Posso afirmar com grande grau de certeza. Os resultados já foram estudados em todos os países onde a medida foi introduzida. Houve um efeito de redução da aplicação da taxa 0 do IVA de apenas metade do sacrifício do Estado. Ou seja; se a taxa é 6%, a redução é 3%. Após o término da medida, o que é que acontece? Uma subida correspondente ao dobro da nova taxa que é reintroduzida. Se tivermos uma taxa reintroduzida de 6%, temos uma subida dos preços de 12%. Isto foi generalizado em todas as economias onde o IVA nos bens essenciais foi reintroduzido.”
Carlos Lobo avalia de forma positiva a proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024). Considera contudo que é demasiado “voluntariosa e excessiva “em vários aspetos. É o que acontece com o anunciado aumento do IUC para os automóveis anteriores a 2007 e para os motociclos matriculados desde 1992, medida que afetará 3 milhões de carros e 500 mil motas.
O fiscalista lembra que quando a componente ambiental do IUC foi introduzida, há 16 anos, era ele o Secretário dos Assuntos Fiscais. E ficou claro o compromisso do legislador de que a medida vigoraria apenas para o futuro, nunca podendo ser aplicada retroativamente. ”A componente ambiental do IUC foi introduzida em 2007 houve basicamente um contrato social em que na prática esta componente só se tomava em consideração para o futuro. É chocante que passados 16 anos, o legislador diga- não, aquilo que eu disse em 2007,não era a sério. Tu agora que ficaste para trás, também vais ter a componente ambiental.”
Em que escalão do IRS estão os donos dos carros velhos?
O fiscalista e também antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Sérgio Vasques considera o agravamento do IUC para os veículos anteriores a 2007 socialmente injusta. E desafia o Governo a dizer em que escalões do IRS é que ficam os proprietário desses veículos, porque a Autoridade Tributária tem essa informação em sua posse.
“A meu ver, a questão que se deve colocar não é saber se o limite dos 25 euros vale ou não para os anos que aí veem. A questão é o impacto social desta medida. E aqui julgo que o Governo devia fazer um esforço adicional. Porquê? Porque o agravamento de impostos, como por exemplo o imposto sobre bebidas alcoólicas ou sobre os tabacos, aí nós não sabemos exatamente em quem é que toca, porque são impostos indiretos, o consumidor fica no anonimato. No IUC não é assim. Nós sabemos, pelo número de identificação fiscal, quem é que são exatamente os proprietários deste trªes milhões de veículos que vão sofrer o agravamento do IUC. Portanto a questão que eu tenho para o Governo neste momento é esta: em que escalões do IRS é que estão os proprietários deste três milhões de automóveis?”
Também o advogado fiscalista Diogo Feio contesta a medida, embora reconheça que, se ainda fosse deputado do CDS, viabilizaria o OE 2024 e que chumbaria na especialidade o agravamento do IUC para os veículos antigos.
“Tal como está, na altura da votação na especialidade, votaria contra. Agora o que eu acho é que isso não vai acontecer porque a medida vai ser alterada. E quando se centra a análise de um orçamento, peço desculpa pela graça, mas o orçamento era o orçamento pipi ,agora é o orçamento popó, não sei se vão continuar nas declinações assim, podemos chegar a coisas de mau gosto. Acho curtíssimo.”
Também Sérgio Vasques admite que, se fosse deputado, votaria a favor do OE na generalidade, mas chumbaria muita coisa na especialidade.
”Julgo que este orçamento tem dois grandes méritos. O primeiro assenta sobre uma conversão da esquerda às contas certas. Isso é importante .É um património que é ganho. E, no imediato, também tem o mérito de tirar o tapete à direita. Mas julgo que isso é importante para se construírem soluções com cabeça, tronco e membros na área fiscal. A segunda nota que me salta à vista neste orçamento é que, diferentemente do que acontecia em anos anteriores, este é um orçamento em que se faz uma aposta muito clara, no concreto, no IRS.”
Maior parte dos portugueses vão pagar mais
Além da previsão de excedente e da prioridade que é dada à redução da dívida, também o fiscalista da Faculdade de Direito de Lisboa Carlos Lobo considera positiva a aposta na redução do IRS. Adverte, no entanto, que só fica a ganhar quem tem rendimentos baixos. "Os contribuinte com menor capacidade contributiva efetivamente vão pagar menos. Mas a generalidade dos portugueses vai pagar mais.”
A proposta do Governo para o Orçamento do Estado 2024, que começou a ser debatida na sexta-feira no Parlamento, acaba com o regime especial de tributação dos rendimentos para residentes não habituais. Uma medida que atraiu para Portugal muitos estrangeiros que aqui beneficiavam durante 10 anos de uma taxa de IRS de apenas 20%.
Carlos Lobo diz que os residentes não habituais contribuíram, nos últimos anos, com pelo menos dois mil milhões de euros para os cofres do Estado. A revogação do regime é por isso um erro que vai custar caro ao país. O antigo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais rejeita também o argumento de que a medida tenha tido um efeito perverso sobre o mercado da habitação.
Já o professor da Universidade Católica Sérgio Vasques, embora considere positiva a alteração nos escalões do IRS, gostaria que o Governo tivesse ido mais longe, e resolvesse a questão da progressividade do IRS, que faz com que os jovens abandonem o país.
"Nós dantes tínhamos aquela discussão permanente de saber o que é a classe média em Portugal. Olhe, classe média é o sexto escalão. Porque até ao quinto somos pobres e a partir do sétimo somos milionários! É claro que, com um sistema deste tipo, é impossível atrair talento para o país. E reter os jovens qualificados que saem das nossas universidades. E nós vemos isso no dia a dia. Vemos miúdos recém-licenciados que vão para o Dubai, para o Reino Unido, para o Luxemburgo e por aí adiante.”
Quanto a um eventual agravamento do IMI, por atualização do coeficiente de localização dos imóveis, que segundo o atual Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais estará a ser estudado, embora não para vigorar já para o ano, Sérgio Vasques considera que agravar o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) seria um enorme tiro no pé.
"Eu quero acreditar que não há uma real intenção, porque no momento em que vivemos, em que temos a população na rua a gritar por melhores condições de habitação, aumentar pela via fiscal o custo da detenção e da aquisição de propriedade seria um imenso tiro no pé.”
São declarações ao programa Em Nome da Lei, da jornalista Marina Pimentel, que é emitido aos sábados, ao meio-dia, na Renascença, e que está sempre disponível nas plataformas de podcast.