“Que levem os pinheiros ou vou para a cadeia. Não tenho dinheiro para pagar multas”
01-06-2018 - 11:00
 • Olímpia Mairos

Terminou o prazo. A partir desta sexta-feira, quem não tiver feito a limpeza dos terrenos será multado.

O prazo para a limpeza de áreas envolventes a casas isoladas, aldeias e estradas terminou quinta-feira, 31 de maio, pelo que os proprietários, em caso de incumprimento, ficam sujeitos a contraordenações, com coimas que variam entre 280 e 120 mil euros.

Ângela Herdeiro, de 70 anos, ficou viúva recentemente. Possui um pinhal junto à habitação, em Abaças, Vila Real, que não cumpre a lei. As copas dos pinheiros não estão às distâncias exigidas. “Andei a limpar a mata, a juntar a caruma, mas falta ‘ralar’ os pinheiros de dez em dez metros”, conta à Renascença.

Ângela ainda falou com alguns empresários ligados ao sector das madeiras, para proceder ao corte das árvores, mas diz que “as fábricas fecharam e os madeireiros não quiseram fazer o serviço”. Agora, sabe que incorre em multa e admite que não tem como a pagar. “Vão-me ‘botar’ a multa, eu não tenho dinheiro. Que levem os pinheiros ou a mata ou vou para a cadeia, porque eu não vou pagar multas, porque não tenho dinheiro”, desabafa.

Em Vila Pouca de Aguiar, Arlete Prazeres de 65 anos, mostra com o orgulho o terreno à volta da habitação, de onde foi extraído todo o material combustível. Procedeu à limpeza, porque gosta de “estar em segurança” e também porque “o Estado obriga a limpar à volta das casas”. Para cumprir a lei gastou 350 euros.

Em frente à habitação persistem, no entanto, uma série de pinheiros mansos cujas copas não se encontram à distância exigida pela lei. “Já contratei a pessoa que vem cortar, um madeireiro, só que ele ainda não teve disponibilidade de tempo”, diz Arlete, queixando-se da “falta de mão-de-obra qualificada” para efetuar este tipo de serviços.

“É lamentável que, sendo este um concelho florestal, existam tantos cursos profissionais e não exista um curso específico para formar mão-de-obra qualificada”, prossegue.

Os vizinhos de Arlete também procederam às limpezas, mas esta habitante de Vila Pouca de Aguiar diz compreender aqueles que não têm capacidade para o fazer. “As pessoas não têm uma reforma capaz, muitas vezes para pagar medicamentos e comida, quanto mais pagar mão-de-obra a 50 euros a jorna, para limpar terrenos que não dão rendimento algum”, refere.

“E quem limpou até 15 de março vai ter de voltar a limpar”, diz Arlete, considerando que “este vai ser um ano muito gravoso” porque, “com as chuvas que estão a cair, vai rebentar tudo novamente: as gramíneas vão nascer, fetos, tudo o que é vegetante vai nascer”.

80% dos terrenos já limpos em Vila Pouca de Aguiar

Segundo um estudo, realizado por investigadores do Instituto Superior de Agronomia e da Universidade de Lisboa, Vila Pouca de Aguiar é um dos 20 concelhos do país com maior risco de gerar incêndios este ano.

Duarte Marques, coordenador da Proteção Civil Municipal, avança à Renascença que “cerca de 80% do trabalho de limpezas já está feito”. “Algumas freguesias já concluíram os trabalhos que era necessário executar e há outras que estão quase a concluir. A autarquia limpou as faixas de combustível. Os proprietários aderiram muito bem e efetivaram muito trabalho”, exemplifica.

O coordenador da proteção civil admite que “haverá situações por resolver”, referindo que “muitas delas, em virtude de não terem prestadores de serviços, uma vez que o volume de trabalho tem sido imenso”.

Mais atrasadas estão as limpezas que competem “às entidades tais como: estradas de Portugal, autoestadas, ICNF, responsáveis pelas linhas de energia, e outras”, refere Duarte Marques, apelando a “quem está em falta, aproveite este mês de junho para efetuar as limpezas e concluir os trabalhos, antes do período crítico de incêndios”.

Como engenheiro florestal, Duarte Marques considera que “a limpeza da floresta tem que ser um trabalho permanente” e, nesse sentido, defende que “é preciso continuar a limpar, mesmo que o prazo tenha terminado” e além disso entende que é preciso “criar condições para que a floresta seja mais sustentável e suportável, quer para as entidades quer para os proprietários”.

Depois, defende, “é preciso valorizar quem está no território, que faz trabalho no território, nomeadamente através da pastorícia, da gestão com o fogo controlado, da resinagem ou da agricultura, e impede que haja mais mato e mais vegetação nefasta”.

“As atividades que gerem o território, acabam por fazer um trabalho prévio, que garante a gestão dos combustíveis, sem criar custos adicionais para o proprietário e para a sociedade”, conclui Duarte Marques.

Chegou a hora da multa

A partir desta sexta-feira, quem não tiver feito a limpeza dos terrenos será multado.

Desde o início de abril, a GNR levantou mais de mil autos em todo o território nacional pela falta da limpeza de terrenos, seja junto de aglomerados populacionais ou de habitações isoladas que podem agora culminar no pagamento de multas ou ficar sem efeito, se os proprietários dos terrenos tiverem concluído os trabalhos.

De acordo com os dados da GNR, as ações de fiscalização, patrulhamento e vigilância da floresta contam com 1010 elementos do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), com 708 militares e 302 guardas florestais, e 1064 militares do Grupo de Intervenção, Proteção e Socorro (GIPS), destacando-se que "o GIPS será ainda empenhado no combate a incêndios em ataque inicial e ataque ampliado".

Os proprietários de terrenos que não fizeram a gestão do combustívelficam sujeitos a processos de contraordenação. As coimas podem variar entre 280 a dez mil euros, no caso de pessoa singular, e de 1600 a 120 mil euros, no caso de pessoas coletivas.

Os terrenos têm de ser limpos numa faixa de 50 metros à volta de habitações isoladas, 100 metros na envolvente das localidades; as árvores têm que estar distanciadas cerca de cinco metros das habitações e, entre as copas, distanciadas quatro metros. Segundo as mais recentes alterações à lei, se forem árvores resinosas, como é o pinheiro bravo e o eucalipto, têm que distanciar entre si 10 metros.

As autarquias podem substituir-se aos proprietários na limpeza do mato. Os proprietários são obrigados a permitir o acesso aos seus terrenos e a ressarcir a autarquia do valor gasto na limpeza.